quarta-feira, setembro 28, 2011

Num mundo memória

Durmo e acordo tateando no escuro
Num mundo de memórias, apagado e chateado
Brumas cinzentas dos vestígios passados
Um suspiro que morre no peito.
Coração fraco e enterrado, soterrado de ilusões
Desculpe-me a dureza e o peso de meus sentimentos
A escuridão de onde falo, a frieza dessa vida.
Peço compreensão, ainda que não carregue o fardo de sentimentos tão tolos e inúteis.
Como se preciso fosse pedir, já sabes...
Me espere, sei que espera, me espera com paciência infinita e um dia hei de chegar e tocar sua mão.
Por vezes vem e me abraça, quando me estendo até os limites do possível e eis um abraço...
Abraço daqueles que fazem calar tudo ao redor e então deixo de ser apenas eu e sou então...
Num mundo despedaçado e miserável como esse não nos resta nada além de memórias, como verdades absolutas, vontades resolutas.
Aqui acessamos o amor, pequeno pedaço de amor, por meio da memória guardada, prisão do passado, então deixe-me transmitir um pouco, quase nada do que sei do amor, assim através da lembrança, haja o que houver, fique com o melhor que existir de mim e então saberá um pouco mais desta coisa a que chamo amor.
Ao meu filho deixo um manancial de lembranças do dia em que fomos felizes.
Vai junto o amor a todos que já amam e principalmente a quem a muito deixou de amar, para que se lembrem da sensação que é abraçar tudo o que há, deixar-se arrastar pela energia pacífica de um universo infinito e desconhecido a silenciar nossas mentes sombrias.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Me perguntaram quem sou, eu disse ninguém

No cais pousa uma alma noturna, eterna e diminuta frente aos dramas nos quais a mente mantem-se embebida.
Uma consciência há milênios adormecida.
Bêbada de ilusão.
Atormentada de vícios.
Confusa frente a grandeza superficial dos problemas que assolam incessantemente a vida humana.
Quão ordinário é o homem que nós somos, de pé no cais.
Um corpo movediço e mortiço, pendendo para cá e para lá, como um barco a deriva.
Erguia ao redor uma tempestade macabra, trovões malfeitores, ventos fora da lei. A lei da vida e do universo de nada vale neste mundo de enganos.
O mar estoura nervoso na praia dos atordoados.
Nos braços carrega o medo, um medo primitivo, resgatado de eras remotas.
Medo que constantemente se renova sobre novas faces, que se atualiza sempre e sempre em seu e nossos corações.
Não é a noite nem o mar, e sim ele quem teme o desconhecido que somente nele e em nós habita e interminavelmente dura alimentado, mais e mais, na medida em que depara-se com o inexplicável de si mesmo.
Falta-lhe (nos) maturidade, mas é já um homem, ancião, vivido e sofrido, vai-se mergulhando cada vez mais nas andanças desesperadas da alma. Uma criança que nunca cresceu, nem quer crescer, pelo menos ainda não. Não agora que prefere mergulhar cada vez mais e mais fundo em ilusões, bebê-las todas de uma vez. Um bêbedo que jamais vislumbrou a lucidez.
Peguntaram quem era, mas não havia ninguém.

terça-feira, setembro 06, 2011

Templo do infinito

Se eu me calar para ouvir o som
O som que vibra de dentro
De dentro do meu coração
Não de um órgão, de sangue e carne
De um lugar sutil, quase imperceptível a olhos desatentos
Um lugar e som só meu
Não há início de um lugar nem fim de um som,
Sem que haja um no outro, confundindo-se em um só
Só então comecei a entender verdadeiramente o jargão daqueles que se voltam um pouco mais para a espiritualidade: “Meu corpo, meu templo”.
Volto os olhos para dentro de um templo infinito, ilimitado e destemido
E nada posso ver além da verdade desconhecida,
Sinto então minha alma se expandir para todos os lugares de uma só vez
Cresço tanto que nem sei o quanto, perdendo aos poucos a dimensão do meu tamanho, sigo viajando na infinitude de meu ser e não há lugar onde queira estar além de em mim mesma
Vou me achegando aos poucos a um universo jamais imaginado e então meu templo inunda-se de sensações milhares
Sigo eternamente levantando voo em meio a pousos variados no tempo e conquisto a certeza de que estou viva para sempre
Aqui dentro tudo se aquieta para deixar fluir a verdadeira força que nos move, deixo partir livremente o espirito outrora aprisionado ao corpo, deixo que se manifeste e mergulhe nas energias, onde a razão humana não pode alcançar e vou assim renovando a todo o tempo um ser que muito havia se esquecido.
Vou aos poucos desafrouxando os laços apertados com este mundo de ilusões e dramas diversos, para alçar livre.
Longo caminho a trilhar, milenares medos a vencer, infindáveis dramas a superar, mais a respeitar, mais a me desapegar das coisas e pessoas, mais a deixar para trás vícios e manias, menos bagagem a arrastar.
Vou pelo caminho deixando o peso das coisas, a fim de levantar voo rumo ao templo que em mim habita.

quarta-feira, julho 06, 2011

Débito


Neste mundo assim que nascemos contraímos uma dívida.
E conosco a dívida cresce, indefinidamente, inevitavelmente.
E então somos ao longo de nossa existência preparados para pagar estas dívidas.
Não tivemos a oportunidade de escolher se queremos ou não nos endividar, simplesmente somos forçados a pagar como condição inerente ao nosso ser.
Um pagamento parcelado até o último suspiro de vida.
Ingressamos na escola e somos aos poucos preparados para a vida, que se resume ao mercado de trabalho. Nos ensinam que é preciso trabalhar para que sejamos dignos, para que sejamos “alguém”.
Aos poucos nos ensinam que não devemos confiar em qualquer um, nos ensinam que devemos ter cuidado com o mundo lá fora, nos ensinam a temer e com medo nos entregamos, nos ensinam que devemos ser fortes para suportar o peso da cruz que devemos carregar, devemos suportar as pressões com perseverança se quisermos vencer. Nos ensinam, portanto, a suportar a escravidão docilmente sem jamais questionar o porque disto tudo, afinal, não cabe a nós pobres mortais questionar as coisas que sempre existiram e sempre existirão desta maneira.
Não cabe a nós, pequenos humanos, refletir sobre o que realmente somos, cabe a nós aceitar pacificamente nossa situação, aceitar o mundo como ele é, por mais injusto que pareça, pois o tempo todo tentam nos convencer de que todo esse sofrimento vale a pena, seja porque a religião nos promete o paraíso e libertação após uma vida toda de provações, seja porque o sistema monetário nos promete uma vida confortável e estável, após anos de trabalho incessante, seja porque aqueles que amamos nos fazem querer seguir a diante neste caminho de espinhos, dentre milhares de outros motivos, de outras promessas, de outras mentiras e falácias, tão falsas quanto a vida que levamos, quanto o amor que supomos ter.
Quão rudimentar ainda somos, escravos de um sistema de milhões de possibilidades para se endividar ainda mais e a isso chamamos liberdade de escolha, liberdade para decidir seu próprio destino, liberdade para ser o que quiser, fazer o que quiser.
Nem sequer arranhamos o real sentido de liberdade ainda, nem sequer imaginamos o que isso possa ser, de tão cegos que estamos, de tão escravos que somos, de tão enganados, de tão sedados.
Como pode uma humanidade inteira curvar-se a tamanha mediocridade, deixar-se conquistar por um materialismo paupérrimo, levando uma vida com tamanha incompetência.
Contentando-se com felicidade aos pedaços, entre altos e baixos, como podemos aceitar com naturalidade abusos contra a própria vida no planeta?
Uma vida pobre, quase inútil, despedaçada, fragmentada, apagada.
Achamo-nos especiais? Incomparáveis?
Pois digam-me onde estão as particularidades de seres que aceitaram curvar-se todos a escravidão, a padronização, classificação, uniformização.
Creem que seu modo de vestir é único, seu gosto musical é único, seu estilo de vida é único, pois saiba que milhares de outros vestem estas mesmas marcas, ouvem estas mesmas músicas, levam o mesmo estilo de vida. Tudo o que se enquadra neste sistema falso e corrupto é feito para uniformizar, enquadrar, encaixar peças em um tabuleiro para que toda esta mentira se perpetue.
A particularidade de um ser não se resume a roupas, músicas, estilos de vida, nada disso importa realmente, tudo não passa de uma superfície que se enquadra a um sistema incivilizado. Nada disso revela a potencialidade do ser humano integrado a todos os outros seres, nada disso explora as verdadeiras capacidades dos seres que coabitam o mesmo ambiente, o mesmo planeta, nada disso conjuga a unicidade presente em todas as coisas falsamente separadas e divididas.
Como podemos nos deixar levar assim ao nosso próprio fim tão pacificamente, como podemos nos conformar com toda dor gerada, como podemos legar às gerações futuras, aos nossos filhos, a todos os seres vivos tamanha destruição.
Nosso modo de vida deveria ser motivo de vergonha e indignação e não estagnação e aceitação! Vamos nos levantar, vamos acordar deste pesadelo e começar desde já a reverter a situação, deixar de lado as futilidades do ego, enxergar a diante, remover o véu da ilusão em que vivemos e começar a erguer uma civilização. Nem sequer somos uma civilização, estamos abaixo disso, no fundo do poço, não há mais degraus para descer, mas ainda há muitos para subir.
Porque continuar a rolar na lama em que estamos, porque nos limitarmos a revirar o lixo que criamos, porque nos repetirmos eternamente em erros que tantas e tantas vezes cometemos?
Porque tamanho apego a todas as coisas, não é preciso se prender, segurar, de nada adianta, pois todas as coisas um dia deixarão de serem nossas para serem de outro alguém.
Este sistema precisa acabar, precisa quebrar, é preciso por fim a toda essa ilusão inútil em que vivemos. Cedo ou tarde vai acabar.

quinta-feira, junho 16, 2011

O amanhã

O amanhã permanece em suspenso, porque hoje é o que importa para quem tempo infinito suporta.
A ansiedade, quiçá uma dúvida estúpida sobre o querer ser, sobre o dia seguinte, um futuro limite legado aos iludidos.
Uma só vida entre os temidos.
A natureza mesma das imersões, fascínios e declínios.
O começo de um eclipse, um sol que não nasce nem se põe.
A casa está viva, eis que se move em rotação. Aos poucos, percepção.
Ei-los mortos estagnados, corpos-mentes inertes. Encantados pelas novidades de um mundo que se arrasta e repete. Arrasta e repete. Arrasta e repete. Arrasta e repete.
Ecoa eternamente em diferentes tons.
Caranguejos a arranhar a superfície. Um mito, esperança irrealizável.
A superfície deixo para os tolos.

terça-feira, maio 31, 2011

Acorde

Hei...
Acorde...
Você está me ouvindo?
Consegue me ouvir ai de onde está?
Levante-se
Vamos viajar para longe deste sonho ruim
Vamos caminhar, seguir adiante, deixar tudo para trás
Você consegue me ver?
Consegue me ver de onde está?
Apague as luzes, faz sol lá fora
Você pode andar sozinho? Sem que seja necessário todas estas muletas?
Acha que pode abrir os olhos?
Pode acordar e se levantar?
Foi tudo um sonho...
Um sonho longo
Um sonho ruim
Agora é hora de se despedir
É preciso despertar
Já nos atrasamos demais
Já nos estressamos demais
Já estamos ricos demais ou pobres demais
Estamos cansados demais
Cansados de sonhar
De acumular
Agora queremos viver
Estamos cheios de querer ser, sonhar ser, esperar ser
Agora queremos apenas ser o que já somos
Estamos fadados de querer ter, sonhar ter, esperar ter
Agora vamos devolver, oferecer, manifestar
A hora é agora, vamos nos levantar de nossos leitos amargos e egocêntricos
Vamos nos unir e transformar tudo o que há
Vamos morrer para um mundo em que tudo se acaba e nascer para um mundo em que tudo se renova
Vamos recolher todo o lixo e arrebentar as barreiras de contenção
Deste mundo eu não levo nada,
Não quero nada, nem espero nada
Não há o que se esperar de um lugar como este
Você vem?
Neste caminho não estou só, ninguém está.

terça-feira, maio 17, 2011

A revolta desarmada dos tolos

De repente reinou o silêncio dentro do meu quarto, estava escuro só haviam as luzes externas da rua que invadiam as brechas das cortinas fechadas. Me perguntei que diabo de lugar é esse que vinha me perturbar o sono ou quem sabe não fosse essa força perversa que paira o tempo todo sobre todas as cabeças limítrofes que me quisesse sempre fazer dormir, dormir um sono tão profundo que nem que sacudissem ou tocassem sobre minha cabeça uma orquestra em La maior eu poderia sequer abrir os olhos em despertar.

Me reviro de um lado para outro e reclamo: Não me façam descer ao ridículo mais uma vez! Ao medo zombeteiro e escrachado a que tanto se esforçam para nos acomodar dentro de caixas, prisões para vaga-lumes!

Ah! De novo aquela palpitação, uma sensação de invasão, de novo, de novo e de novo, o mal estar se instalou novamente. Então comigo pensei: Lá vamos nós de novo... Eis os sintomas do mal que se alastrava pelo corpo e mente que não me deixam calar: Vertigem, seguida de um medo imbecil.

Qualquer esforço para levantar-me parecia em vão, contra uma força implacável que me subjuga a um mundo feito de plástico descartável, mais sólido que aço. Eis que estala um pensamento implantado de fora: Ligue a TV e o mal estar se dissipa, a solidão se disfarça, a escuridão se esquiva em meio ao tubo azul de luz, o silêncio se apaga e eis que terás acordado novamente neste mundo a que tanto conheces.

Não! Não irei ligar a TV, cansei-me de ouvir os infinitos disparates, disparados deste aparelho que mais me parece o zunir de uma colmeia de abelhas homicidas. Já basta ter de aturar pela manhã a visão nefasta das intermináveis bancas de jornais vomitando pelo caminho uma diversidade estúpida de assuntos.

Continuam investindo com tanto desespero em minha distração que quase sinto pena deste sistema falido. Confesso que por vezes rio sozinha tal qual fazem os loucos. Nesta sala de detenção de segurança máxima, rio sozinha desta névoa de medo a qual somos subjugados, daqui não é possível enxergar mais nada.

Ahhh! Preciso rir deste conto de fadas! Zoar, zombar! Ah e como funciona, hein?! Me parece um relógio, de tão certo! É isso mesmo pessoal, por dentro estou rindo.
Estou rindo de vocês, rindo de mim, rindo de suas metas, de seus sonhos, de seus exemplos, de seus modelos...
Estou rindo de suas caras, destas máscaras fajutas de papelão. Vamos todos morrer e vejam só as suas caras no espelho, esse pedaço de carne.
Vocês estão levando a sério mesmo? Ou tudo não passa de uma brincadeira de mau gosto?

Olhem bem para o flagelo vivido por aqueles abaixo da linha de pobreza, veja como isso não nos afeta tanto quanto o piso arranhado da sala de jantar, ou quem sabe as paredes manchadas de gordura. Que absurdo é preciso investir! Claro! Suei a camisa para ter tudo o que tenho, já os pobretões, pobres diabos, não fizeram nada, não conquistaram nada e por isso não merecem nada, pois eles não tem nada e são tão descartáveis quando os objetos da casa.
Morre um, nasce outro em seu lugar, que valor tem quem nada tem? Hã?

Não adianta, senhores e senhoras, não adianta argumentar, seja contra ou a favor desta ou daquela posição, seja politicamente correta, seja egoisticamente manipulada, pois é este o mundo que erigimos e muitos o aceitam de bom grado como sua morada! Um investimento, um futuro garantido, uma promessa de sucesso e toda essa falácia vendida.

Posso até me calar diante de tamanha bobagem, posso ouvi-los gritar aos berros em meus ouvidos que é este o único mundo possível, que é este o nosso lugar, que é esta a nossa natureza e que somente este mundo existe e que portanto, seria impossível sequer almejar algo além disso. Digo aos senhores que estou ouvido esta besteira desde que nasci! Sim, estou pacientemente ouvindo, que o bicho papão esta de baixo da cama, que o palhaço assassino me espera na próxima esquina, que a cuca cedo ou tarde vai me pegar, que o boi da cara preta vai me ferrar, e que o monstro do amanhã está a espreita... São infinitas as idiotices que venho escutando desde então e nestas milhares de armadilhas eu já caí como um pato.

Por vezes a estupidez é tamanha que me privo de dizer uma palavra sequer e me recolho ao silêncio no qual tenho sossego, e então balanço a cabeça e concordo com sandices inúmeras que me vem jorrar na cabeça, aqueles que em tudo creem, só não creem em si mesmos, aqueles que tudo sabem, só não sabem de si mesmos.
Vou aturando, aguentando, suportando, mas acreditando? Ah não! Quanto a isso não lhes posso garantir! Podem falar, palestrar até espumar a boca, mas não vão me convencer a aceitar, não mesmo!
O animal aqui foi aprisionado, acorrentado, mas não vencido! O animal foi comprado, vendido, descartado, reciclado, mas não foi convencido.

Me oferecem a ideia, bonitinha, formuladinha, mastigadinha, prontinha, não preciso nem pensar, não é preciso sequer ter um cérebro para questionar, mas não vou engolir, obrigada, mas não vou aceitar e se estão incomodados pela minha interna e eterna não aceitação, pois que se afastem do meu caminho, pois que me risquem de suas listas, de seus projetos, de seus sonhos, de seus futuros.

Caiam fora da minha frente, pois vou passar como um tanque de guerra por sobre esse muro forjado, não se enganem com o meu silêncio, não se enganem quando me verem dissimuladamente concordar com besteiras para não me estressar, aqui dentro a banda toca ao contrário, o rio corre as avessas, os ponteiros batem invertidos no ritmo do MEU coração.