Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2009

Pingo

Foi na véspera, meu companheiro Vi que estava cansado, seus olhos parados já não brilhavam mais Aconselharam-me escolher, já não havia mais jeito Meu companheiro já não poderia voltar para casa Uma dor silenciosa pairava, demorada como os suspiros que dava Meu amor era maior que o egoísmo que o impedia de partir Amigo, as flores que plantei, de você se alimentarão e por você florescerão Para que celebrem a vida que foi sua E então, deixei que se fosse, para nunca mais voltar

Uma corda no mar

A corda solta paira Embebida, morada de musgos Enegrecida, apodrecida No cais do porto Vaga uma corda solta Sucuri engolfada Levemente bóia Traça um caminho na água Sozinha corta o horizonte E se perde no mar

Quietude

Eu e o tempo Caso de amor que se encerra a cada esquina Chama acessa que se apaga a cada sopro em dias de ano Janela aberta que se fecha na tempestade Um destino se traça a cada vereda Entre sorrisos sentimentais Sobre teu peito minha cabeça se apazigua Esse teu coração a tocar Notas palpitantes Ritmo a saltar na escuridão (salutar) Preso à mortalha do peito Cela a se exaltar Pondo termo à mazelas minhas No seu coração se aquieta o meu Vem num beijo me pacificar Atmosfera fina em estação calmosa, no céu puro a forrar a noite.

Assombro

Na madruga tilintam os ossos, sucatas velhas da escuridão, ruína antiga O aparelho de som tem olhos que me reprovam, me espreitam no escuro da noite Os ruídos que se arrastam pelos encanamentos presos no interior das paredes são monstros fantasmas Os insetos que se agacham pelos rodapés, mutantes gigantes, zunem, me zombam Este lugar é um veneno, traiçoeiro, sono mortal Milhares de olhos, espalhados pelas paredes, pelas portas e frestas, janelas e móveis, espelhos, vidraças, por trás das cortinas me espreitam, me vigiam, me devoram E eu aos poucos vou desaparecendo, parte por parte na escuridão, sumindo... sumindo.... Dentro desse encargo oco não me sobra nada, além do assombro, do rombo, um escombro.

Noite

Sua doçura é quase um beijo Sua alma vacila Extrema, indolente Pouse longe estes seus olhos Não ousaria jamais desejar olhos como os seus Essa sua presença incomoda desassossego entre os lençóis Se alterna entre suave e pungente, um sopro, um pregoar Cravando profundas garras negras, silentes, laços de dor Movimento desordenado, paixão, calor latente dos corpos De repente... um intervalo livre de febre Traz um mergulho ardente, queimando Uma vertigem, tentação súbita Então aos poucos recua, arrefece Vem a velar o meu sono, deita-se por sobre meu corpo Envolve minha garganta, impedindo-me o ar de chegar aos pulmões Seus olhos imensas estrelas fatais pesam sobre os meus, pequenos mortais Ameaça levar simula tomar, me deixa o sabor de que a nada pretende possuir E então desliza devagar acima do teto que me impede o olhar Da totalidade de sua beleza, opulência dos corpos celestes Encerrada numa cúpula negra salpicada de pontos luzentes Guarda um silêncio impossív

Encanto

Aos onze sentei-me em um banco de igreja Chorei as lágrimas do senhor que orava ao meu lado Senti um pesar por não tê-lo conhecido Uma dor selvagem me rasgava o coração Escondi o rosto, evitei pessoas Corri até lá fora, o céu estava rubro As noites passadas estancaram no tempo Emergia mais um espetáculo de estrelas Brilhava o sol do outro lado do mundo Em mim o lado negro da lua Cegueira Sítio sombrio E de pronto meu encanto surgiu, pelo breu que meu pranto calava

O corpo

Eu caminhava na neve Os passos se afundavam No vazio daquele quadro pálido Andava em círculos, cavando cada vez mais fundo Girava cada vez mais perto, me aprofundando nesta cavidade Uma lacuna, um buraco, olho negro da terra Um flerte da morte, apaixonada e faminta Ossos trincados, porosos enganos De posse bastarda Morosa consumação Corpo findo alma infinita Um dualismo judaico-cristão Povoou-me as fantasias Pretensões desvairadas De um ego vaidoso Convicto de sua nobreza De imaculado saber Opressor da matéria A julgar Condenar Sentença brutal: O corpo Relegado a domesticação Mas hão de lhe fazer justiça, nos confins desta terra Das paixões que lhe reprimem, das angústias que lhe imputam.

Já é tarde

Deixe tudo como está Os papéis sobre a mesa Os livros no chão Meu coração é um punho fechado, dilacerado Minha alma é um mundo perdido, soterrado Preciso dormir. Amanhã é uma prova Uma prova do tempo Hoje não parei para olhar o céu. Nem ontem O sol não me toca, nem queima. Não dentro deste gabinete Se não me apressar, perderei a manhã e parte da tarde Já você, quando não estou ao seu lado, perco cada segundo de um olhar a um sorriso. Perdão. Já é tarde Perdoe-me, mas é sempre tarde demais.

Sossego

No fim da tarde A cigarra começa a cantar As copas das árvores começam a dançar Eu me sento sobre o toco de tronco rachado Olho distante esse mundão que parece dormir E um pouco de paz a que tanto aspiramos me chega ao coração Mal posso fechar os olhos com medo de abri-los novamente e meu mundo se desvanecer.

Paisagem

A neblina cobre as montanhas que cercam a cidade Revelando aos poucos seus contornos irregulares Na orla o mar se ergue como um colosso, deitando-se sobre as areias profanas do vasto formigueiro de saúvas. À suas costas abre-se um recôncavo impedido pelo aterro, águas insalubres tingidas de negro petróleo, submetidas à vontade humana. Superfície tremulante, dotada de um sossego letal. Persiste uma paisagem fingida, como o frescor das flores mortas de um ramalhete. Simulacro da vida que aos poucos se esvai. Maravilha desgraçada e poluída. Destroços de um sonho vencido. Paisagem, desenho borrado, passatempo para aqueles que se põem a admirar aterradora ficção.

Agora

A noite chegou E com ela veio o silêncio dos dias de domingo Algumas pessoas falam na calçada O relógio é uma arma apontada para minha cabeça Desvio o olhar, não quero pensar no amanhã Quero o agora, a quietude do instante, a leveza do presente

Pressão atmosférica

Meu olhar se alinha entre as grades de ferro para ver o tempo chegar. A beleza que apreendem é a beleza do mundo que se estende além dos prédios da cidade. As nuvens viajam pesadas, pairando acima das montanhas rochosas, vêm confirmar a previsão meteorológica. Estou ainda na fronteira entre o previsto e a evidência, o fato segue independente das fronteiras do saber. Olho a paisagem tentando não traduzi-la em verdade, deixo prevalecer as sensações que os olhos não concebem, e então, sinto o dia virar noite. A cidade perde seus contornos projetados em linhas retas, curvas sólidas, abrindo espaço à imensidão do mundo e o frenesi concreto revela sua insignificância. Carne humana, ruído mecânico, brisa mista de gazes tóxicos, confinados em uma panela de pressão. No silêncio irrompe o grito da multidão, matéria bruta convertida em mercadoria. Impassíveis, utilitários, aparentemente saborosos, servidos prontos para o consumo. Aqui tudo acontece sob a lei da pressão atmosférica, lá f

Sono

Era noite e nossos olhos quase fechavam Chovia e nossas bocas calavam O mundo acontecia lá fora Pessoas sorriam, corriam, se escondiam E em nós morava o silêncio infinito O sono pendia sobre nossas cabeças A respiração varava o peito Ungia-nos o calor da concórdia A quietação dos ânimos Duas almas pachorras Sossego nos quartéis e conventos Rogamos para que fosse justo E então nos entregamos em paz

Centelha

Brilho celeste Fogo azul do céu a cair Desliza silente o espaço fluído Até tocar num estrondo o solo Se expande num clarão, feito flash a cortar o chão E o estouro se mescla a tremores terrestres Condução do céu a terra Nuvens alta voltagem A vibrar, a chorar, a regar A vida vem trazer Do infinito às fronteiras do meu breve olhar Então a imensidão dançou diante de minha insignificância E tocou a canção de um tolo coração, miserável a chorar

Sonhei

Ontem sonhei com os milhares de dramas que permeiam a vida. Em meio a inutilidades vis, preocupações meramente aparentes que se repetiam num circuito infinito. Num mundo em que tudo pesa e o fardo cresce num feixe de doze estribas. Baixei guarda, deixei-me o corpo conduzir, rumo às vontades voláteis. A sede e fome de cada dia, quando o que queremos é saciar o infinito, conquistas em débito eterno. Quando me volto para olhar tenho tudo acabado, num rumo outrora traçado vejo a estrada se adensar, vejo o tempo chamar, e o que vi foi a todos subir a bordo de minha lataria pesada, negra, reluzente a luz de um dia revolto. Vagando num pensamento fantástico, maravilhas vazias num coco seco, nos aventurávamos num céu em chamas e o coração na mão, o perigo nos trazia de volta à realidade forjada. Até que cada qual decidiu abortar sem norte, em profusão, a rosa-dos-ventos se rasgou e o sonho se achegou ao despertar. Já era hora... Já era hora de acordar.

Momento

A imagem presa num pedaço de papel Como mágica que escapa do tempo Saudade cristalizada no coração Um jeito cabisbaixo meio que sem esperança No momento não havia percebido aquele seu olhar No presente me dei por vencida, afastei-me em receio De que sua tristeza fosse maior do que eu Para mim era aquele mirado triste de quem olha para baixo Buscando um sentido nas coisas pequenas, naquelas que mal enxergamos Como se estivessem aos nossos pés, fáceis demais para perceber Breves demais para se alcançar De cabeça e ombros curvados à procura de si mesmo Como lhe pesava o mundo, olhos calados Silêncios d’álma, relógio a pender Sorvedouros d’ouro A tudo pareciam suportar Pudera eu ter segurado sua mão Contemplei sua alma a errar distante Meu coração apertado, cismado com o peso do seu Mais parecia magia aquele seu olhar, mar a inundar Aquele ainda hoje a persistir num pedaço de papel Meu corpo tensão, pura apreensão O momento passou, O momento ficou, Eternamente, O

Corpo humano

Não quero beber Quero sede, seca Não quero conforto Quero desalento, abandono Venta frio, não me cubro Não este corpo... Não quero me aquecer Ele chora, arrepia, se encolhe Sofre, implora, quer... Só o que faz é pedir, desejar E digo não... Espero a resposta Involuntária Grita, ordena Brinco, me nego Provo que não me controlo, Não me pertenço, Isso... Diga... Agora, diga... Diga que sou eu Quem está no comando Máquina orgânica Circuitos neurais Anatomia caótica, ordenada Calafrio, febre e dor... Corpo e mente repartindo-se em milhares de células mil Quebrando cadeias, arritmia cardíaca Genética herdada, esse corpo, anticorpo Embate orgânico Perdendo, repondo Mal externo, ah esse corpo... Mente estilhaços, quer reger Engolfada, sangue a fora Do coração à via central Corpo linguagem biológica Vida a pulsar Vida a se esgotar Sangue a se exaurir Absoluto a se acabar Não lhe posso impedir Envolva-me, me envolva E escolha nada ter para tudo ser

Pedido 4662

Meus dedos são como estacas rachadas Prontos para perfurar, cavar esse solo erodido Nesta sala fechada, abafada em meio a lasers Tambores eletrônicos, aborígenes expatriados O perigo ronda, devora destemido Não há o que temer, não há o que temer... Ecoa no ar, invariavelmente Num mar onde somente os corpos falam Irrompe maré alta que tenciona involuntária Cataclismo ilícito se move de dentro para fora Rostos inexpressivos Pálidos, cambiantes São só borrões de tinta Seus corpos fumaça Ondulando, ondulando... São todos um só terreno Mergulho, toco no fundo Bebo dessa superfície Aspirando que seja perene Peço, e peço, para que não acabe nunca Sofro a influência dos astros E tudo passa, cedo ou tarde

Morte

Quem a ti não temer Teus olhos miméticos Tua foice implacável Teu ponteiro certeiro De teu beijo irá levar o sabor Em teu enlace mergulhar devagar Destinado a nos escoltar Lira distante Chamado lacônico Teu lamento um encanto Bramido suave a clamar Meu nome em tua boca chamar Teus versos a decantar Anjo a cantar Para meu espírito cativar E minha alma levar Para todo lugar Num abraço a consagrar Derradeira essência a chorar E verdadeira existência firmar Por ti não haverei de chamar A ti não haverei de negar Por ti não haverei de esperar A ti haverei de aceitar Eternamente em meu coração

Dia de chuva

Sensação eterna de incompletude Lembrança remota, difícil de se alcançar Suspensa no meu coração De longe, familiaridade, raridade No céu branco, somente pássaros em revoada E a chuva, cortejo brilhante, ruído cadente O cheiro da terra, quando queda no solo Inconfundível, indescritível Da memória, o aconchego Das janelas, cursos d’água Correndo, escorrendo, Alimentando a terra Alimentando a farra dos pardais no telhado Nutrindo a nostalgia, crescente corredeira Fim de tarde a suspirar Dia de chuva, dia de chuva Os olhos chovem alimento d’alma Pedindo aquilo que o tempo tira

Roda do Tempo

Cedo, ao alvorecer da vida, hei garotos, moleques, grilos serelepes no jardim a suspirar, para que a roda do tempo se estanque, gire lenta, quase a parar num sonho ensolarado, chuvoso, num bailarico infinito. Crescidos, esguios, no alarde das valentias, valsejos de amor, vapores suspensos elevados à décima potência, respirações anelantes, ações alarmantes, disritmia pulsante, a roda acelera às voltas de um tempo sem volta, engrena sem medo até desabar em perene ilusão. Crescidos descrentes, maduros amargos, transeuntes perdidos na roda furiosa, estrelas cadentes que descambam em desajeito, morro abaixo, morro abaixo, morrendo, morrendo...

Sorvendo-me

Muito bebi da racionalidade Mas não adianta, de todo não sou racional Argumentos bem elaborados, pautados em exímias teorias Por certo não me convencem, resvalam em orgulho cético Por pouco ocupam espaço no vácuo no qual sufocam e gritam em desespero Eu por inteira não sou racional, Meus atos, convicções em muito são passionais, sazonais, impulsos irracionais Elevações, depressões, erosões em terreno arenoso, pedregoso Não sou equação, sou inequação, Desigualdade insatisfeita, Valores de parâmetros indeterminados, Incógnitas irresolutas, Inconcluso “objeto” Expressão fiel da natureza A quem não se pode convencer A quem não se atribuem verdades Sorvendo-me Transbordando Tragada num único gole Expelida em uma só onda Coração a bombear Oração sempiterna Que não teve princípio nem há-de ter fim

Tear

Num tear estúpido das idéias Imaginação que se desvanece Feito fumaça, chuva de verão Arrabalde de um povoado insano Livres dos dispositivos frívolos da razão Forjando utopias Prometíamos, prometíamos... Tudo no futuro E agora que o futuro chegou? Restou-nos o passado? Planejávamos paixões Desejos fluidos jorravam feito cataratas violentas, inclementes. Planávamos leve entre as montanhas Deslizávamos num caminho desenhado entre os espinhos Num roseiral perfumado e dolorido, herdado dos antepassados Queridos já passados Antigas embarcações Em coro a decantar Agora, que sou eu Símplice individual Quem pergunta ao espelho E? Ascende um suspiro do passado Para lembrar-me de quem fui Agora que já nem mais sabia dizer Quem para o espelho mirava

O Hidrante

Um hidrante quebra na esquina a lacrimejar emoção alheia Uma porção de fio d’água que se atira do parafuso Parece frio desviar-se a esquerda privando-se do “objeto” Ninguém irá agachar-se a atarraxar o parafuso Analisar a dureza já gasta o cansaço abatido Plantado na calçada arrebentada Um estorvo para os apressados Sapatos inquietos de lá para cá De cá para lá toc toc toc Formigas maçarocas Os olhos bolas de gude de lá para cá de cá para lá feito sapatos apressados Ora, vamos lá Para que serve um hidrante? Como definir um hidrante? Que função utilidade teria o hidrante na esquina desta vida? São tantos hidrantes plantados na calçada Os hidrantes não estão a vista dos pensamentos São dois daqui à esquina seguinte, três de lá à rua seguinte São tantos que nem vejo quantos Hidrantes no nível da rua Emergência ambulante Como que brotando das calçadas Sangram a se esgotar pelo o ralo Deitado em esquecimento Vou-me embora Olho para trás Lá está ele Fica o hidrante na rua Selado na eternida

Pólos aparte

Assim que nossos caminhos não mais se cruzarem Num entendimento elementar Destoando em cruzamentos Imagens reversas Retóricas dissonantes Haveremos de nos dirigir Aos pólos opostos Ártico Antártico Ao extremo norte sul Divergindo entre estações Alternando em dia e noite Do inverno austral Ao Sol da meia- noite Da florada das idéias Ao declínio das doutrinas Unidos por oposição Em partes compostas Do abrir ao fechar do sorriso Como as cortinas do teatro Que ocultam o vazio pano de fundo Assim deste ou daquele modo Absolutos e transitórios Num passar Num ficar Num olá Num adeus Sem que possamos dizer a distância Entre nossos pensares pesares Tudo se faz linhas Linhas imaginárias Desenhadas para apartar Que a tudo tende dividir Em pólos aparte Onde haveremos cada qual em seu eixo Erguer observatórios em defesa de si mesmos Erigir fortalezas em nome de seu isolamento Haveremos de combater nada além de nós mesmos Haveremos de abrigar a verdade de noss

Sonhos

Daqueles que se vão Sonhos perduram no tempo Dentro daqueles que deles compartilhou Os sonhos que não afloraram Viajam para todo lugar Em arranjos musicais Tempestades guturais Fenômenos naturais Na eterna imensidão No infinito deste céu Num sopro vento sul Em reluzente amor astral Indo e vindo Fluído como as ondas Do início ao fim sem fim

Olhos

Os olhos tragam imagens desolados Percorrem assassinos despedaçando, fragmentando Malditos sejam estes olhos que parecem dizer Muito além do que digo Espelhos manchados Dois pares cruéis disparados no espaço Esféricos imundos refletem o nada Assustam com o nada O nada... O nada que deles propaga Acesos em chamas, furiosos sedentos Inflamados, febris Caçadores impunes Capturam destroços Partes do nada Malditos sejam...

Mundo Sombrio

Ao som indefinido do mundo componho a harmonia perfeita do que se parecem apenas idéias e por trás desta cortina de fogo vejo escorrer por entre os dedos apenas restos do que um dia tanto reluziu. Caminhando em passos desconexos, onde impera o reino fragmentado das várias idéias, projeto no chão uma imagem disforme, réplica do que sou. Minha sombra multifacetal segue meus passos, ouve meus pensamentos dia e noite, me acalenta em seus gélidos braços, no leito onde a esperança me desespera. Na atmosfera onde tudo se desfaz, não há espaço para a concretude, nem para o equilíbrio, exceto pelo tempo, roda que gira sem cessar, metálica, pesada e indigesta a que estamos condenados. Mundo sombrio, em sua escuridão me detive, seja por ser inevitável, seja para de longe observar os pequenos feixes de luz que fazem das sombras ainda maiores e da alma uma dolosa nostalgia e esta sem precedentes segue vazia a vagar pelo espaço, terreno inóspito, onde o porvir parece não existir.

Dor

Gosto de ferir-me os dedos Rasgo-lhes a pele Sugo-lhes o sangue Um gosto metálico, desagradável Escorre ardido, dolorido Mordo a chaga, estanco a fenda Humor instável Temperamento sanguíneo Cravo as unhas na ferida Provoco incessante A dor cresce aos poucos Assim, um pouco mais a cada investida Sensação mais ou menos aguda Picadas de vespa Deixo adormecer a dor para acordá-la novamente O caminho de volta é um caminho sem volta A penetrar na pele uma dor que nasce na alma

Ioiô

Correndo de cá para lá Matando o corpo em agonia Bate cansaço, ó meu deus Passou-se a semana a voar Bate de cá para lá Bate no peito agonia Quando se vê já se foi Quando se vê já foi dia Ah que já fora-se o tempo Ioiô vai e vem Já se foi

Das verdades

Verdades vêm tarde Verdades faladas machucam Porque ferem os ouvidos, o ego Porque nos lembram de que somos humanos De tudo aquilo que já sabemos no fundo ser mesmo verdade Do caráter que intimamente conhecemos Das limitações, que nem sempre queremos Perdidas em meio a exigências Auto-superações Mas quando nos falam Em alto e bom som Dos defeitos que sempre enumeram, qualidades que deveriam ser muitas Ah então nos lembramos, de que somos mesmo humanos falíveis Nos lembramos de que devemos ser muito além Muito além do que somos As verdades que dizem machucam Mas não mais do que aquelas que calam Verdades caladas não lembram jamais, de que somos humanos Estão acima e além do que somos E então as verdades machucam Faladas e caladas Porque não conhecem jamais, daquilo que é humano

Teus passos

Teus passos no corredor deixam vestígios de som quase amargo de escassa saliva na boca fechada Minha casa um labirinto de sons escuros sobressaltados sons sumos de limão E quando tomam o aspecto entre doce e azedo aperto os olhos para abri-los e ver tudo ao redor ainda mais nitidamente num gozo momentâneo e intenso para se dispersar aos poucos feito perfume pulverizado no ar As gotículas caem em câmera lenta do alto até o chão colorindo corredor labirinto em fragrâncias prazer delas breve alegria Giram avulsas a dançar cores e flores Frenesi brasa ardente Tempero açafrão Sopros cordas vozes Cântico à vida Ponte entre ausência presença Ode aos passos que se deram Calores exaltados Canto à tua presença Deles pegadas restos que ficaram Calores exalados Canto à tua ausência Teu ir e vir Fluído fluxo Que ora se elevam Ora se cavam na superfície agitada do corredor labirinto de teus passos Instrumentos sonoros ecoam pelo ar postos em vibração A agitar sons destemperes

Saindo...

Quando vou-me para estes lugares, Repletos de luz De música E gente A gargalhar Articular Pavoneando-se Em artifícios Customizados em tópicos banais Ali fico eternamente a mentir estar ouvindo Prefiro nada dizer Recosto-me ao assento mais macio Os olhos fixos num ponto fixo A alma solta a vagar no espaço Dali a mil anos luz A fugir dessa chatice

Noites de inverno

Garoa lá fora a perder de vista vapores naturais Como a fumaça de um navio distante a se afastar Pairam de mansinho por sob a noite fria Num beijo de boa noite aqueço o coração Recua devagar a sombra na soleira De mim resta o silêncio Flauteando o sono entre as cobertas No silêncio irrompe o latido dos cães Nesta noite um afago nostálgico Fico a imaginar o mundo encantado Desenhando sombras na parede Dos vestígios de luz do hall Despistando as investidas de Hipnos Elevando o instante ao infinito Vai passando devagarinho Coral que aos poucos perde a entonação A alma chama A voz cala Longínquas são as pátrias Pátrias do meu coração E das terras apreensão Delas pouco sabe a razão Num sopro a me levar À margem do rio que ousaste atravessar Embarcação errante névoa traiçoeira Não há rosto nos homens doutra margem Numa noite que me parece infinita Hei de embarcar a remar sem direção E me juntar aos homens sem rosto noutro lado da margem

Aperto no peito

Aquele aperto que brota no peito Embotando a vista Cheirando a chuva Saudade anunciada A beijar-me o rosto Passarinho escarlate Que há sentimento De sussurrar ao pé da orelha Num decoro musical Versos verões d’ouro Perdão dos compridos meses Que nos impedem mergulhar Viajar onda canção Um tempo às nossas costas Traz o desabrochar das rosas Chaga aberta A deitar espinhos Reticências fragmentos Em variáveis infiéis Dor: nem forte nem aguda Vai passando devagarinho Do vinho ao vinagre Embebendo a alma Viço danado Estufa um suspiro Trazido do ventre À jaula do peito Então me resta, do que nada adianta Bato com as mãos espalmadas no muro Vou-me embora a assoviar

Dos tempos de Poděbradova

Do quarto da pensão onde eu morava na Rua Poděbradova, vinha a noite me chamar, a caminhar, a degustar a solidão daqueles dias. Da janela avisto poucas luzes tremulantes, distantes feito estrelas, provocando minha imaginação, a quem estariam a iluminar? Aquele céu frio me acalmava os pensamentos, que saiam soltos, perdidos na brisa gelada. Sem que pudesse aprisioná-los quietos neste corpo escorado à janela, havia um desejo de me juntar a noite, me esgueirar por entre as sombras dos arvoredos, projetar-me maior no asfalto destas ruas. Alma marginal, soturna a vagar em silêncio aterrador. Corpo quente, afagado entre casacos, sobretudos, cachecóis, das botas sobem ruídos pausados como alguém que bate à porta. Os sons da noite se ajuntam em sobressaltos, mistérios infinitos cúmplices entre si. Experimentava o sabor da cidade, sua essência fantasma em que uivava um passado vivo. Minh’alma rumo a si mesma, queria estar só, ouvir o calar do mundo, o ronronar dos sonos, o sopro gelado

Dalila

Porque peço, acalmar essa ânsia, de humor semi-árido. Estes pés inquietos réquiens de Dalila. Pobre coitada, andar sob o sol lhe parece uma lástima, tua pele suada a lagrimejar pelas curvas, ardendo-lhe os traços. Estrada vazia, marginais margaridas impedidas no asfalto, fantasmas do vento. Numa falha contida, vaidade ou orgulho, se apressa adiante, de que adianta correr? Sentimento de perda, prisioneiro do tempo, retesado no bojo, no seio de “Lila”. Seu olhar judiado, indaga o espaço em profundos naufrágios. Tudo são lugares cravados, raízes do vácuo, memórias fulgentes. Cegueira brilhante, os olhos se ajuntam e o clima tórrido cria ondulações no ar, silfos dançantes. Dalila se apressa a equilibrar-se na solidez do asfalto, retilínea ilusão. Teu andar a galope, rapidez malcriada, confessa essa pressa. Dalila, depressa, se expressa compressa. Prolonga um suspiro, um tiro, um espirro. Um sopro agitado mesclado no vento, teu hálito quente sedento de um fim. Chega Dalila, ch

Dois reluzentes cristais

Não... Não foram seus olhos quem viram o que afirmou ter visto o coração Não... Não é sempre que se deve confiar no que dizem os olhos Mas se seus olhos mesmo já fechados insistirem em lhe dizer o que vêem Se implorarem para que uma vez mais se abram as janelas Fazendo iluminar dois brilhantes cristais Se só assim puderem afirmar Então... Guarde seus dois preciosos cristais em seu interior Lá onde um universo pulsante se alinha às batidas do coração E então siga para além de onde podem te levar as janelas abertas Vá... Voe para além de onde pode a vista enxergar Deixe ser, não há medidas que possam, então, conter em esferas dois reluzentes cristais Sem pensar no que dizer Palavras jamais dirão Palavras jamais verão Palavras jamais saberão Mas deixe que falem pelo que não há palavras Deixe-as correr Deslizar por uma superfície contida Sem que possam aprisionar Como as janelas que emolduram a infinitude do horizonte Num pequeno espaço envolvido em recortes Se sã

Cruzamento não paralelo

Confesso, queria tê-la como inimiga Seguir-te os passos até o inferno Caçar-te na multidão Ávida de teu sangue Prestes a derrubar-te Queimar em ódio ácido Na eminência de destruir-te Fazer de um estúpido desejo O sentido de nossa existência Superar-te diante de teus olhos Dominar-te os pensamentos Causar-te insônias incuráveis Úlceras gástricas Secar-te a boca Gelar-te da cabeça aos pés Imputar-te os mais sujos desejos Envolver-te o pescoço Privando-te lentamente do ar Tirarem-te das órbitas os olhos Rasgar-te a pele em pedaços Engolir-te completamente Insuflar-te tremores e choques Remover-lhe a consciência Lançar-te longe contra o espelho Ouvir-te cair despedaçando tua imagem Fazer-te gritar, urrar, sussurrar Privar-te dos sentidos Prensar-te contra a parede Rir ante teu rosto perplexo Levar-te a falar, detonar Sorver-lhe o fôlego Puni-la e perdoá-la Venha! Levante-se! Golpeie-me para longe! Lute! Lute comigo Quero lutar com você Apenas com você

Sublime Nebulosa III

Seus passos quebram o silêncio de sua presença Reflete a luz de toda e qualquer estrela Elevada à última potencia Propaga a natureza das coisas Derrama a verdadeira essência do ser Alimenta todas as terras, todos os céus, todos os mares, todos os fogos Ergue-se pleno de tudo o que é Indefinível Éter, sangue, seiva Alma, cosmo, Sol, estrelas Galáxia, corpo celeste Partícula, gota d’água Molécula, átomo Fagulha, célula, núcleo Elevado à liberdade desconhecida Além do olhar angular Da saliva sedenta Do desejo cruento Das vontades linfáticas Do orgulho corrompido Da dor e prazer Do medo perverso Do tempo e do espaço Da verdade e da mentira Do bem e do mal Da vida e da morte Do céu e do inferno De deus e do diabo Ser sublimado em absoluta unidade Desmembrado em infinita multiplicidade Seus pés que outrora caminhavam Mansos, tranqüilos Agora correm, deslizam Não há limites Não há barreiras Irradiam transcendente grandeza Voam além deles mesmos E vão pa

Dédalo purgatório II

Invólucros vazios Desprovidos das mais ávidas paixões Dos ímpetos de empenho Do interesse natural Pela sedução das maravilhas Existe sede Existe fome Em mergulhar profundamente Procurando desviar Ponderando se entregar Em sofrimento prolongado Que se estende pelo corpo Colérico e cansado Uma vontade corrompida Deveras falseada Forjada em satisfação Pagamento haja vista Mentiras creditadas Falhas parciais Modelos imprecisos Consubstancia Fatos e impressões Nada além Do que está além Do dizível e visível Apenas crível e viável Em eterna insatisfação Terra ávida e incessante Donde as buscas não têm vim Numa esteira sempre constante Uns se erguendo Outros caindo Em rios caudalosos Muitos corpos se entregam Às correntes traiçoeiras Haverão todos de pagar Pelo desejo, pelo ensejo Controlando seus humores Refazendo seus caminhos Desfazendo seus enganos Expiando suas culpas Neste Dédalo Purgatório Aos poucos se achegando Sem que haja dúvidas Tudo a

Magma infernal I

Neste magma infernal Poderíamos cozinhar De uma só vez derreter Agonizando em meio a lavas Mentiras e ilusões borbulhantes Mas vamos perecer em fogo brando Morrer em banho Maria Espinheiras dançam no vendaval Roçam-nos os corpos Tiram-nos o sangue Que percorre em linhas tortas até o chão Terras tórridas Amaldiçoadas De rosáceas venenosas E vapores sulfurosos Carnicões fazem caminho Via reino virulento De serpentes peçonhentas E insetos agressivos Túrgidos pulmões Aspiram asfixiados Vamos todos arrastando Como vermes na carniça Sucumbindo neste inferno De nada adianta se esquivar Vêm chegando Vêm chegando Os demônios do relógio Apressados como nunca Mais perversos que suas vítimas

Na chuva

Nesta noite maravilhosa e miserável Em que andam a escorrer pelas calças água da rua Sapatos sovados de lama Pisam e murmuram coaxos de sapo Em penúria embriagados de chuva Ó meu deus, porque tanta carreira? Já não sabe tragar céu aberto? Para que tanta espera Pendurado à marquise estreita? Vai a solavancos se esgueirando entre as esquinas Pobre diabo! Só chão para te aquecer Terra chã para se esquecer Só vai ele, depauperado A levar chuva no lombo Escoando a miséria humana Ó e no passado Num tempo em que não havia a estreiteza do olhar O selvagem na chuva valsava Civilizou-se no medo e bom senso Precipitando-se acima das poças Resvalando em sofrimento Atalhando a morte Um tempo que não vira nada Um tempo que só influi Deságua abaixo do céu

Nevasca

O arrasto das rodas me aterroriza Flocos de neve debatem-se Uivam lá fora Ah, por Deus, não posso parar A paisagem irá me engolir De um branco angustiante Maldita ilusão em cartões postais Lembro-me dos enfeites de natal De como são reconfortantes Do calor que transmitem Em datas especiais Salpicados em branco plástico Mantenho a perspectiva Desde o começo procurei um suporte Ancorando-me em memórias Mas este porto é tão remoto Como pesa o ar aqui dentro Um carro dança no gelo As correntes tilintam A cada avanço na estrada Um recuo do sol Crepúsculo perverso Vem a galope Arauto funesto Gelando-me o sangue Exaurindo-me as força Um suspiro escorrega Da garganta profunda

Mundo

Mundo Toque Toque para mim sua canção Mostre Mostre para mim a sua luz Diga-me Diga-me tudo o que você tem a dizer Não se esconda de mim Dance Dance sua música para mim Leve-me Leve-me embora para todo lugar Abrace-me Abrace-me forte Fale comigo em sua língua Em todas as línguas que você aprendeu Em todas as línguas que você ensinou Em todas as línguas que você experimentou Mostre-se para mim Mostre-me seu verdadeiro potencial Mundo, você é meu mestre Você é meu pai Minha mãe Meu irmão Meu amante Mundo mostre-me tudo o que você é Não se esconda Seja tudo o que você realmente é Então, depois escolha o que é melhor Ser o que você é Ou ser outra coisa O que é melhor? Viver morrendo Ou simplesmente viver Mundo Diga-me O que você pensa? O que há de errado com você? O que há de errado conosco? Com você e comigo Com você e todos nós O que há de errado? Como você se sente a respeito de tudo? Mundo mostre-nos o mundo como ele realmente é

Tentando buscar

Estou tentando continuar Continuar buscando Mas quando acordo Quando me levanto Quando me deparo comigo Procuro encontrar qual busca seria a minha Uma busca, um intuito, um caminho certeiro Uma busca que não está aqui dentro de mim Ela há de estar lá fora, precisa estar Pois aqui dentro não pode estar Aqui dentro a busca não se encaixa Não se encaixa às buscas disponíveis do mundo lá fora Lá fora não tem espaço para o que existe aqui dentro Ou será que aqui dentro não há espaço para o que ofertam lá fora? Para que eu possa me ajustar às opções oferecidas lá fora Às propagandas que fazem, de que a vida acontece lá fora Minha vida está acontecendo aqui dentro Lá fora minimizo esta vida, sufoco esta vida Para que a vida que lá fora me ofertam se encaixe aqui dentro Lá fora posso trocar de vida, se não gostar desta ou daquela Experimentar tantas vidas quanto quiser Até encontrar aquela que me faça aceitar as coisas como elas são As coisas como são é a vida que

Fel da vida

Lamentável é não enxergar para além dessas paredes Acredite. O horizonte fica preso aqui na garganta E a fome deixa de existir Assim como o contentamento se estende em frustração Pagando o espaço físico ocupado Preso a uma terra de promessas Num labirinto insensato Numa redoma caótica Em meio a toda essa retórica furiosa Endurecida em palavras lapidadas Derramando verbo absoluto Ardendo como sal no lume Revertendo antinomias Tombando abaixo do consenso Patenteando uma pobreza chapada Gravada e enfeitada Em propagandas prostitutas Hipocrisia das mentalidades Cristalizando o fel da vida

Aida

Aida acorde Venha até aqui Estou aqui fora, no jardim Estou a sua espera Venha... Ainda é cedo Aida Sinta... Sente a brisa marítima, Soprando ao pé da orelha? É para você Aida Um sopro harmônico Do mar para você De longe toca uma canção no rádio Daquelas que te faz vibrar No íntimo você quer dançar Dance comigo Aida Dance comigo... Sua dança traz o mar para perto Ele avança manso e se arrasta a seus pés Aida é pura música Gira no ar como um anjo Sorria Aida, o sol nasceu para você A sinfonia são seus passos Seu rosto iluminado Aida você nasceu para brilhar É tão fácil se encantar Por Aida Aonde quer que você vá A luz irá te buscar As estrelas irão te procurar O mar irá te abraçar Com a força da maré Num campo gravitacional Ideal para que Aida erga-se com as ondas Aida orbita no universo Acima das constelações Para além de galáxias distantes Aida seu corpo é dança Sua alma é música É a harmonia do cosmos Aida é mais do que posso dizer

De pé

Você está desmoronando Agüente firme Parece não haver jeito Agüente firme Respire fundo Não chore agora De que adianta lamentar? Peça, feche os olhos, faça um desejo Não diga nada Respire fundo Não chore, prometa Estenda a conversa para compensar o silêncio que se estenderá noite adentro De pé De pé Engane a espera Mas a espera se estende noite adentro De pé A espera não se deixa enganar Se estende vida afora Respire fundo Não chore Fique de pé Prometa que nada irá prometer Lembre-se de si Que irá se estender para além do espaço e do tempo Um sussurro e o vento arreganha as janelas, estilhaça os vidros E isso é só o desenrolar da história de todos que um dia ficaram de pé.

Arranhando paredes

Arranha paredes Debate-se no chão Esqueceu a lição? Sabe dizer se é noite ou se é dia? Aonde você vai? Não me faça ir até ai Não se preocupe, não se culpe, estamos aqui e ali Sabe onde está? Quem sabe possa dizer para onde você vai Lá fora o sol está queimando, penetrando a crosta danificada deste planeta E tudo o que você consegue fazer é se debater e arranhar as paredes deste aposento em decadência Se pudesse sair, veria o sol Pura luz a inundar tudo ao redor E então quem sabe pudesse ver algo além de si mesmo Erguendo-se para além das paredes

Remador

Certo dia me lembro ter visto um barco sozinho no rio de manhã bem cedo, o sol mal tinha nascido Era um sujeito solitário, mais velho com chapéu na cabeça, desleixado Havia remado ainda a pouco, ao redor do barco a água ondulava Com um tipão cabisbaixo enrolou um fumo, acendeu o cigarro, tragou uma vez e seus olhos fitaram o horizonte, se perderam no nada, vazios A fumaça do fumo se esvaiu Se curvou para uma tosse rouca, aquele não era um pescador Era um tipo calado que remava sem curiosidade, parecia conhecer todas as coisas, mas num instante pareceu ter se esquecido Parecia não se importar com as coisas à sua volta, mas sei que não é bem assim, sei que não é Aquele não era conhecido meu, do contrário eu poderia pensar que fosse meu pai chegando ou partindo O homem do barco foi remando e passando devagar, não parecia ir a lugar algum, mas ele foi tão longe que ainda hoje me lembro Não que isso interesse, mas hoje me parece um dia daqueles em que alguém rema perdido

Senhoras Vaidosas

De dia se pintam tal qual boneca de louça Os olhos são dois borrões negros Sobre estes uma névoa azul se espalha O rosto envolto a uma nuvem de pó A boca de um vermelho escarlate Colares de contas diversas serpenteiam-lhe o colo Ornadas de pulseiras e brincos pendurados puxano-lhe os lóbulos Vaidosas se esgueiram pelas ruas, ônibus, lojas, cafeterias Bailam, oscilam no tempo Detêm-no Estancam-no Impedem-no Quem sabe, brincam com o tempo Ele vem chegando, e digo não Vem sussurrando, finjo não ouvir Me engole, me vomita Passa, repassa, nos marca Passa, repassa, nos mata Implacável Sutil Há de chegar o tempo E com sua chegada haveremos de partir Technorati Profile

Sabe...

Ei! Você sabe, não sabe? Ah você sabe... Mas não me diz nada Sabe dos males que sofro Dos segredos que guardo Das palavras que calo Das coisas que falo Dos dedos que estalo Das pernas que agito Dos olhos que fitam Dos sorrisos que dou Dos abraços que troco Do tango que toco Das críticas leves Das piadas alegres De como me sinto Sabe o quão distante estou Sabe de quando estou aqui De quando falo, me expresso, me exalto E sabe que até pareço gente Sabe que sou gente. Sou não sou? E você sabe como é o meu jeito Sabe que ele não agrada muito Sabe que não é doce é desconfortável Este jeito não está certo, não pode estar certo Isso não é jeito, é mais um desajeito Um jeito sem jeito Sabe que não estou certa Mas se não estou certa... Então onde estou? No preto ou no branco Em cinza ou vermelho Você sabe de tudo Sabe... Seja lá quem você for, seja lá onde estiver Você é um maldito que sempre sabe mais e mais e mais sobre cada vez menos e menos e menos... Tem