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Mostrando postagens de 2008

Infinito

O melhor da vida são viagens mal sucedidas Noites mal dormidas Momentos sós e particulares Dias angustiados, calados, aluados Deles reflete o sol, o ápice da luz Deles dias e noites são sentidos aguçados Levo-os para longe, mas logo os trago de volta, Deles preciso beber Sorver o veneno, absorver a cura Até que cessem os sete fogos Assim, ao por do sol em brinde aos aspirantes Exasperado anoitecer me leva numa valsa lenta Rodopiando-me desesperadamente ao redor de sua órbita Estrelas terríveis no céu se movem junto à dança E fazem-se assombrosas constelações, chorando âmbar celeste Ah se meus pés pudessem aferrar-se ao solo e se aquietar por um instante Seriam eles escravos desta terra já de longe corrompida A mente derrama do corpo, por certo assoberbados Juntam-se a revelar a tormenta desta alma Um manifesto Um motim Fatigados pela vigília Cruzando sombras indubitáveis Fazem-se luz! Mais pura luz! Muito além da tristeza, da felicidade ou saciedade Duradouro

Frutas de cera

Hoje passei por ai e foi ali que as vi Tão lindas tão lisas... Brilhavam pequenas, indefesas, numa peça de cristal Perfeitamente redondas, desenhadas para seduzir Ofereciam-se por um preço qualquer, não importa Objeto de desejo, entregues a vontade alheia Frutas de cera, delicadamente pousadas sobre o móvel, imóveis à espera de qualquer um que lhes pague o preço Enche-me os olhos vê-las assim tão disponíveis, ao meu alcance... Poder tocá-las, cheirá-las... Não se trata de um desejo pelo original e sim de uma vontade pela réplica O que me fascina é sua artificialidade óbvia, de valor superior ao do original No ápice, sua existência não importa mais do que a vontade de tê-las Não me dou ao luxo de justificá-las, não há dúvidas de que são o que preciso São o que preciso ter... São o que quero ter... Sobre um móvel, imóveis a me esperar

Rumo

Eu estava andando rumo àquilo que me leva sempre ao mesmo lugar Enquanto rumava, pensava no descanso que estava por vir Mas também pensava no tempo que sempre me afasta Eu me afastava cada vez mais indo de um lugar ao outro Enquanto rumava, o vento cortava o tempo e o pensamento gerava espanto Mas abaixava a cabeça e continuava rumando No horizonte nada mais havia, além do rumo que tomavam as coisas Alguns segundos, um momento apenas, para decidir o destino de uma vida Contados, arrastados num relógio qualquer, foi por pouco que tudo se foi Em uma rua qualquer de Copacabana, na chuva, na lama, em meio à sujeira, ao caos, uma vida rumava, parecia querer ficar, mas ela rumava em destino a seu destino final. Como eu, ela se afastava de um lugar ao outro, mas no instante de alguns segundos, seu destino faria com que se afastasse demais, além do horizonte do rumo que tomavam as coisas. Na rua, na chuva, na lama, uma vida, cronometrada, computada em 80 anos 80 anos, na rua, na

Indefinível

Existem batalhas que não se pode vencer nem perder, sinceramente, nem sei o que se pode fazer em relação a elas, também não sei dizer como deveríamos nos portar diante delas, nem ao menos definir como nos sentir. Há coisas para as quais não achamos início, nem meio nem fim, só caminhos possíveis dentro do impossível, afinal, nem tudo acontece como gostaríamos que acontecesse. Na maior parte do tempo em que caminhamos pensamos em como ele (o caminho) deveria ser, mas ele nunca é como achamos que deveria, não sei se é possível ser como gostaríamos, ou se é impossível querermos o caminho da forma como ele é sem o sonharmos inserido em projetos perfeitos. Nem sempre encontramos o caminho do certo ou do errado. Por vezes, muitas vezes até, estamos diante de um caminho que nem sequer podemos definir. Será quantas vezes desistimos do caminho que sabemos que jamais irá se definir, quantas vezes abandonamos o indefinível, quantas vezes o deixamos de lado, quantos vezes nos desinteressam

Sintam-se a vontade para decidir

Lendo algumas notícias consideradas polêmicas e lendo várias opiniões sobre essas notícias do momento, do ano passado ou do século passado, percebo uma coisa: Ficam um bando de gente chamando o “outro” ou os “outros” de tolo, idiota, irracional, vingativo, frouxo, conformista, sacana, cego, dentre vários outros adjetivos negativos, sobre suas posições diante dos fatos noticiados, muitas vezes com fervor, tanto por parte de quem é a favor da posição de quem noticia os fatos quanto por parte de quem se coloca contra suas posições (mesmo que no meio jornalístico se insista em dizer serem pretensamente neutras suas posições diante do fato noticiado). Então parece mesmo que somos todos, sem exceção, IDIOTAS, cada qual no seu mundinho, com suas verdades. Mas cada indivíduo inserido em seu mundo particular forma uma grande massa dentro de um mundo maior e mais abrangente. Neste mundo maior que não é meu nem seu (afinal nós já somos donos de nosso próprio mundo particular) não existem verd

Colorindo

A cada abrir e fechar de olhos, algo novo surge, numa corrente elétrica perpassando o espaço sem se apoiar em condutor de espécie alguma Os olhos pintam cores de beleza ímpar, decodificadas fantasiando a realidade As cores se dispersam Se concentram Contorcendo-se Misturando-se Num foco desfocado, brincam e dançam Lançam-se lentas, velozes Deslizam lambendo toda a superfície em pinceladas deliciosas Num turbilhão maquiam meu mundo, minha realidade De perto são cada vez mais cores, mais flores, pintores Azul profundo, tranqüilo, num demorado suspiro Faz-me sorrir, com os olhos, dois brilhantes pincéis Ou quem sabe chorar, colorindo-me de emoções As nuances me acolhem, me abraçam Num território matizado de gradações multicores Beijam-me os olhos nutridos por contrastes As cores revelam-se Desnudam-se Confiam-se a mim em meu jogo tingido, pintado de cores Os olhos funcionam assim como uma droga, que ilude, distrai Almejam o belo com um sentimento ag

Enxaqueca

Rastros de um mal encefálico Dor aguda que saltita entre altos e baixos No ápice espeta Pressiona as têmporas, intermitente Deixa os olhos sensíveis às gradações de luz Os ouvidos sensíveis a sons dissonantes Tensões tendenciosas, o melhor é o silêncio Queda livre em dor perene, nada pode amortecê-la Dor esquiva ao toque alheio, não quer nada nem ninguém Projeta áureas reluzentes pairando no ar O humor logo se altera mais insociável que o normal Não se pode olhar para cima Com um chumbo prensando o topo do crânio Nem para frente se pode olhar Com uma placa metálica chapada na fronte Mão tola, impaciente que nada parece querer segurar Visão nevoada, anuviada torna-se menos confiável Vertigens e enjôos desequilibrados Os passos são lentos e insensíveis As cores se multiplicam Os cheiros se atenuam O ar se rarefaz E é ela a chegar... Batendo-me a porta Da cabeça aos pés Enxaqueca!

Estamos quase lá...

Somos tão parecidos Por vezes, quase iguais Quase... Nossas almas que parecem girar perdidas Quase tão perdidas quanto eu e você E somos assim tão semelhantes Mesmo “material” Com uma essência que quase nos escapa Assim quase próximos Sempre e quase os mesmos Mas sempre nos separam Nos distinguem Nos classificam Nos dão nome Nos posicionam Nos isolam Mas sabemos que estamos unidos, seja como for, não é bem assim que nos vêem, não é mesmo? Na verdade permanece um abismo entre nós, mas nele decidimos que estaremos de mãos dadas Quase não sabemos o quão especiais, nem o quão simples e ordinários somos E somos mais do que isso, não quase, mas sempre Estamos quase lá... Estamos quase lá... “ Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito ” - Albert Einstein

Caminhando só na noite

Passos distantes quase abstratos Deslizam no asfalto Negro superficialmente brilhante Reflexos difusos tais como pensamentos Espalhados, deixados no chão Afastados do ruído Dos estalos dos brindes Dos talheres pousados sobre a louça Das vozes sobrepostas Das risadas vibrantes Das mesas repletas Das orquestras sinfônicas das reuniões Por vezes suaves agradáveis Por vezes secas insuportáveis Seja como for, os passos se vão cada vez mais longe Mergulham num prazer quase que por necessidade de estar só Rumo à brisa descompromissada Rumo ao inevitável frescor e torpor Tão precisos Tão queridos Íntimos e próprios E quem sabe o que irão encontrar logo à frente? Se for a lua em céu estrelado Quem sabe refletida sobre negras águas Se forem as luzes artificiais sombreando-me os passos Se for o vento a levantar-me os cabelos fazendo-me cócegas Se for o vento a levantar-me as vestes causando-me arrepios Se for a noite que a mim se entrega num leito de negro cetim Se f

Nós e os "outros"

O que mais decepciona é ver que para fazer com que as pessoas cooperem em não destruir a natureza, o planeta, é ter de convencê-las de que isto será bom para elas, de que isto irá propiciar a propagação da espécie humana, será bom para as gerações que virão. Será mesmo que para fazer bem a algo ou a alguém, precisamos fazê-lo somente porque isto nos faz sentir bem diante de nossa ação nobre? Porque nos faz sentir uma pessoa melhor, nos faz acreditar que fazemos a diferença, dentre outras coisas? Será que devemos nos engajar em pró de uma causa apenas porque ela nos servirá no futuro?Nos fará bem, nos fará melhores? Será que as coisas não têm um valor em si mesmas? Um valor independente de nós? Exterior a nós mesmos. Vamos assumir que as coisas existam independentemente de nós e que existam não apenas para nos servir. Vamos admitir que o mundo não gira ao nosso redor, vamos admitir que este mundo que criamos como nosso, as custas de vidas de diversos seres, pode não ser o melhor

Aproveite

Ahhh como adoro frases típicas de auto – ajuda que nos dizem coisas tais como: A vida é uma só, aproveite-a bem! Viva cada momento, cada segundo com intensidade com se este fosse o último, aproveite o tempo que tem para ser feliz! Eu pergunto: Mas o que é isso? A vida é um produto, que deve ser consumido/ aproveitado antes que vença a data de validade? Será que é isso o que querem dizer? E como será que devemos então aproveitar de maneira adequada cada segundo de nossas vidas? Sim, pois a vida esta sendo cronometrada detalhadamente na base dos segundos, devemos nos apressar o quanto antes para nos satisfazer, nos tornarmos felizes. Deveriam mesmo é lançar um manual de como aproveitar bem o resto do tempo que ainda possuímos de vida. Aproveitar o RESTO. Não gastar atoa o tempo que ainda nos SOBRA. Resto... Sobra... A vida é o que? Resto de tempo? Sobra de tempo? A vida é o tempo? Ou o tempo é a vida? Vamos aproveitar... Vamos aproveitar essa coisa que nos move, porque co

Tristeza

Se cada coisa soubesse falar E se a tristeza tivesse vida própria Como se existisse fora daqueles que sabem reconhecê-la Que sabem recebê-la Quem sabe detê-la Que sabem dizê-la Quem sabe vivê-la E quando nos parece invisível Ou mesmo uma luz Uma estrela no céu Mais distante que o céu Lá de cima a brilhar No escuro a chorar No escuro a calar No escuro um alívio Um ponto de fuga Fixado no olhar Só... Somente ela e sua luz A brilhar na imensidão No silêncio No vazio Sem nada mais conhecer Só... Somente ela no topo Aqui em baixo a nos dizer Que está só Veio pra ficar Somente ela e sua luz A brilhar na imensidão

Na corrente deste jogo

Desapareço assim do nada Reapareço assim como quem nada quer Saio de fininho e me esquivo na multidão que me esbarra Observo tudo de longe Como se pudesse repousar no movimento do universo Em silêncio a dançar sob o burburinho Distante a evitar olhares indiscretos Como se me pudesse esconder por trás de uma cortina invisível Privando-me de alheia presença Sem fazer-me notar, nada noto além de mim mesma Envolta a estranhos íntimos e semelhantes Impessoais e acelerados, personagens de si mesmos Eu ponto fixo num sossego desbotado Calado e sufocado assentado na platéia É a estréia do espetáculo a cada dia em que me jogo na corrente deste jogo.

O filme

Dos olhos jorra um mar salgado Se debatendo em convulsões chorosas Anuviados pela dor alheia Chovem cumplicidade Fixos no horizonte azulado da tela da TV Embebidos em dramaturgia cinematográfica Histórias atuadas, por vezes, tão próximas de nossa história vivida De nossa história de vida De nossa história sofrida De nossa história querida No final para além dos créditos finais Nos sobram grossas listras coloridas acompanhadas de um som em linha reta Tuuuuuu..... No final para além de nossos créditos totais Nos resta um tênue fio de vida acompanhado de um som em linha reta Tuuuuuu..... E na extensão da imensidão pela última vez rolam os dados O filme acaba, mas seu fim é só o começo....

Tripartida

Foi-se meu espírito a assoviar, levezinho a pairar pelo ar E minh’alma que pena! É penada, foi-me impossível seguir-lhe à revoadas Aos dois ambos livres, saltam tensões, alusões Dos dois não sei qual sou mais eu menos eu Detentos do corpo, pesado e selado Sorrisos e choros só ele estampava Já eu trilogia, tripé, tripartida Se alma, se corpo, se espírito, não sei qual mais sou Assim me levam me enlouquecem, me tiram a razão, o senso Os três, como balas, traçam o espaço, perpassam o tempo Em mim os guardo todos De mim me guardam toda Pois no fim de mim enfim, removerão- me os pensamentos, os princípios, a moral, a crença e a descrença, as questões, o prazer e a dor, a memória e o saber De mim se alimentarão, até nada mais sobrar A luz se apagará, os olhos se abrirão, uma porta irão ver, por trás da qual, avistarão uma fresta iluminada por uma senda anil no céu A porta aos poucos se fechará e nas trevas travar-se-á o fim Eterna condenação! Essa força que me reduz a pó

Quem de mim

Quem de mim carrega o som, o silêncio, a solidão dos passos na calçada Da fragata apagada, rebocada na calada da velada madrugada Sou só eu e minha alma desbocada, destampada na maré desalentada Um suspiro desse nada nessa noite estrelada Um arrepio dessa pele já gelada e desgastada

Roça alma, alma torta

Lá na roça eu dormia mais profundo que a cutia Lá de longe se ouvia melodia caipira A chuva A mata virgem Me embalavam no sossego Era longe Era perto Infinita escuridão Vaga – lume Vaga estrela Brilha o olho da coruja Pingo d’água Pingo prata Que goteja no cerrado Na minh’alma corre um rio mais escuro que argila Quanto mais nela mergulho mais profunda vou ficando Dentro dela eu carrego a tristeza dos cavalos açoitados no trabalho E o receio das galinhas assoladas no poleiro Toda torta Bicho torto Do pé torto enlameado Não tem jeito É recalcada E já se foi pro atoleiro

Demônios familiares

A fonte do mal, que fingimos ou mesmo nos condicionamos a acreditar ser exterior, provém de nós mesmos. Não há o que combater em criaturas pertencentes a esferas abaixo da nossa, longe do que somos sempre à espreita. Não há nada além de nós mesmos nas sombras do vale a negar nossa obscura natureza, que por tantas vezes tem se revelado monstruosa. Com ela procuramos romper os vínculos, evitando cumplicidades, inventando demônios dotados do horror que não somos capazes de assumir como nossos próprios. Com tanta paixão os combatemos como se representassem ameaça externa. Ah se estivessem mesmo lá fora No escuro do quarto Nos becos das ruas Prontos para nos tentar Ah se fossem mesmo demônios Se fossem mesmo eles a fonte do mal com qual nos chocamos Estaríamos prontos para seguir adiante Estaríamos prontos para escolher entre tê-los junto a nós ou rechaçá-los Estaríamos prontos para vencê-los definitivamente Quanto já não se passou e cá estão a nos zombar, como sempre o f

Dos dias aos dias

Dos dias incríveis que achei jamais fossem findar-se, à beleza da chuva que lhe lambia os ombros cobrindo-os de nódoas prateadas. Aos dias terríveis em que o tempo parecia um infausto, à aflição de vê-lo partir, de conter-me parada, quando na verdade as pernas imploravam correr-lhe ao encontro. Dos dias perfeitos em que o sol beijava-lhe a face e dos lábios entreabertos surgia um horizonte luminoso, enquanto permanecia sentado a se aquecer, se soubesse que em meu coração corre seu sangue e que meus sentimentos são tão seus quanto meus... Aos dias intempestivos em que se ia correndo para alcançar o bonde que lhe parecia fugir, se soubesse que seus pés são meus pais e seus passos meus guias... Dos dias maravilhosos em que nos sentávamos quietos e nossos olhos nem mesmo piscavam, se soubesse que somos ligados muito além da linhagem genética... Aos dias malditos que de você me afastei, para uma localidade remota, se soubesse que de você herdei vida... Dos dias repletos que com você

Estrelas

São 23h30min, estou em casa a me arrumar para a Festa. Roupas quaisquer, brincos quaisquer, sapatos quaisquer, mas maquiagem hoje não, o palhaço vai sem máscara. Não pretendo impressionar, quero mesmo é me impressionar, com a festa, com os ritos e universos paralelos. Quero mesmo é ouvir risada barulhenta, gargalhadas que ecoam e destoam do ambiente finesse . Todos olham, giram os olhos e cochicham aos ouvidos. Quero mesmo é apreciar numa taça de aparências a balbúrdia do evento, beberico cada mundo do universo com a sede de um flâneur . Giram luzes coloridas, giram luas fragmento, as estrelas pós- modernas circundando a multidão. O som que nos envolve, nos embala na balada balizando as distinções. O barulho, a batida, bane vazios entre sujeitos que se adjetivam aos sussurros ou aos berros aos ouvidos de quem quer... Quero mesmo é mergulhar em realidades virtuais, em imagens prolongadas de raios refletidos, em sucessões de analogias que se impõe aos indivíduos.

Nós

Sentadas no chão, cúmplices ambivalentes, sussurramos segredos cruéis. Tão pura e crua livre de mim. Sua voz é suave e me encanta. Seu perfume é jasmim, sua presença divina. Ergue em brinde uma taça de vinho, quente, doce, suave, servil... Meu rosto, nas sombras, se esconde do seu, manchado, borrado, pintado, culpado. Devolvo-lhe o brinde num tubo de ensaio, gelado e amargo, abismo absinto. Amável me afaga os cabelos, me deita no colo, compadece. Meus gestos agrestes, implacável me esquivo. Seus olhos tão dóceis procuram suporte, molhados, sinceros. Minha língua afiada te injeta veneno, te expulsa pra longe, te quebra cristal. Te empurro, te excluo, simplória, te amo. Tão longe, estou perto, sou ferro, sou cal. Tão perto está longe, é favo, é terra. Te espero no eterno. Num instante me espere. Para sempre quadradas, redondamente enganadas.

Éder

Correu como um louco até o jardim, o canteiro de flores de cores mui vivas e odores mui fortes, contrastavam com o que se passava por dentro. Seria preciso intervir, sim, pois, ele precisava estender para fora a solidez que se pesava no interior. O ímpeto lhe imputava gestos dramáticos afogados no caos. Arrancou todas elas, nas mãos suas cores amassadas, misturadas e os cheiros achatados, vexados. Suplício! Não suportou a beleza, não naquele momento. Suava e o cheiro era forte, chorava e o gosto era amargo. A terra, foi só o que sobrou, nela deitou-se o cadáver, nela roçou a matéria e forrou-lhe de inércia. Os dedos das mãos esticados, tais como dentes de arado, cravaram o solo e ali ficaram tal qual ferramenta desamparada de braço ceifeiro. Os vermes roíam-lhe as unhas, expelindo excrementos da terra. Despia-se de calor e conforto e os olhos mais nuvens que brilho, jorravam meias – verdades. Da boca, fenda aberta, cavidade errática, escorria saliva espumosa. Ahhhh Éder quão

O Rio de Sangue

Corre um rio, no jardim das profecias, Um rio de águas turvas, nervosas, revoltas. Um rio retesado, no limite, temperamental. Veio extenuado, minguado. Veia rasgada, Lama escarpada, Artéria exaurida, Penetra verdes pradarias, Goteja perene teu sangue à revelia. Filo marginal. Curso retrátil, caudaloso. Líquido viscoso, venenoso. Nocivo, repulsivo. Um rio assombrado pelas almas, Assoreado pelos corpos, Assolado, desolado pela dor. O rio se reflete, se sorve, Regurgita desespero, ânsia. Revolve o pesar, a tristeza, o desespero. Ressentido de tuas águas, do teu plasma, do teu sumo.

Paciência

Rei no topo Base do baralho Dama no rei Entreato do herdeiro Valete na dama Filho prodígio Remate do trio Em concílio real Figuras fadadas Provável projeto de jogadas futuras Êxito esperado em pitadas de sorte e cartadas estratégicas. O jogo, com tempo deslancha ou quem sabe se estagna. Vitória prevista, impulso para uma outra vez. Perda prostrada, ânimo para recomeçar. O jogo é pra valer, desafio entre naipes. Espadas se cruzam, paus em posição, copas prestes a agir, ouros no desfecho do golpe. Cartas na mesa. Reserva no canto à direita. Tablado disposto. Solto as cartas, me entrego ao jogo. Nesta corrente, me embaralho me desmantelo me despedaço. Coringa não entra. Não neste jogo. O bobo da corte está nulo em revés. Paciência, paciência, distrai-me do medo, da angústia e da dor. Porque o jogo não acaba nunca e não sou eu quem o joga, mas sim ele quem me joga. Me move da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, De cima para baixo de baixo para ci

Sentidos

A sensação de caminhar dissimuladamente calma e lenta até você, fingindo-me madura e segura de mim é como uma dor delgada que termina em ponta aguda. Num esforço excessivo ofereço um jeito assim meio displicente ao desejar-lhe bom dia. Aparentemente equilibrada e de certa forma, desdenhosa. Ah... Mas se me pudesse ver por dentro... Uma voz suave que lhe fala aos ouvidos seus desejos mais secretos, assim como uma melodia suave soprando sensualidade no saxofone em tom apaixonado sem limites morais. Como me sobe o sangue à cabeça, deslizando pelas veias, avançando acelerado, me esquentando todo o corpo. Em disparada galopa o coração à medida que vencemos a distância entre nós. Aflitiva respiração falta-me fôlego, mal sei se chego até você. Inadmissível seu olhar a me despir da gélida couraça, quebrando-me em pedaços. Fogo... Faz-me arder dos pés a cabeça, exceto pelo estomago que gela. Quanto de ti me perpassa o pensamento da fração de segundos em que nossos olhares se cruzam

A dama do sono

Amado menino, ente querido, Deite-se logo, venha dormir, Feche seus olhos e venha comigo, Durma bem, durma em paz, Que a nuvem do sono o traga para mim, Venha me siga, Aproxime-se mais, O portão esta aberto! Que estais a esperar? A noite te espera, O bosque tão calmo, o convida a entrar, Seus passos vacilam não temas meu anjo, Entre e desvende, Se embrenhe nos matos, Beba da fonte, que fresca o presenteia, Alimente-se dos frutos, que doces se oferecem, Deixe que as árvores o acolham, Toque suas raízes e deixe que o envolva, Abrace seu tronco e deixe que o enlace, Agarre seus galhos e deixe que o levante, Aspire o perfume de suas flores e deixe que o envolva, Se entregue, se perca, não procure voltar. Puro e inocente me encanta o olhar, Acompanhe incessante o assovio que o chama, Ouça menino, A natureza dos prados, Harmoniosa música, Toca, Pio de coruja Coaxo de sapo Canto da Cigarra e do grilo, em orquestra florestal. Lua cheia, luz difusa. Dançam prate

A Noite

Pesadelos Suores Repentes Suspiros Cama em chamas Angustias rolam pelos lençóis arrancando-os do colchão Maculam o sono sagrado, à espreita do amanhecer. Corpo ondulante, inquieto, Pesado, calado Sussurra, se engasga. Ríspido frio, arrepios na espinha. Ondas de calor, jorros nos poros. Sede Boca Seca Olhos entreabertos Luz fraca a brilhar distante na parede branca Sombras na janela É preciso ir... Brilha cada vez mais e chama: Venha... Venha até aqui... Sombras bruxuleantes dançam madrugada adentro No coração o desejo de ceder ao gozo momentâneo De pé lutando contra si ergue-se o corpo cansado, Se aquece aos primeiros movimentos Passos incertos permeiam o chão preto como piche, se esbarram. Mãos que tateiam o espaço em branco, nada tocam. O amarelo lúgubre cada vez mais próximo dos olhos faz crescer as pupilas. As sombras se arrastam agarradas aos pés da carcaça dormente e invadem-lhe por completo assim que se acende o interruptor. O espelho reflete fu

Harmonia

Fico às vezes a observar quão belo podem ser os fios de alta tensão, tanto que diante deles fico tensa. A magnífica grandeza das passarelas por sobre as avenidas, torna-me tão pequena que chego a me sentir segura. Enche-me os olhos a maravilha das estações subterrâneas do metrô, cujo ruído sonoro do metal junto aos trilhos é verdadeiro deleite aos meus ouvidos. A formosura das chaminés fabris deixa-me febril. Que maravilha ver funcionar as engrenagens do elevador, repletas de rodas dentadas ligadas a um eixo rotativo, são quase que meu eixo central. Há uma arte sincrônica nos sinaleiros das ruas, me incentivando a seguir sempre adiante. Como me apraz tocar os botões dos caixas do banco e ter em minhas mãos o dinheiro da conta. Que beleza ver brilhar os letreiros luminosos que refletem um universo de cores em meus olhos. É incrível o conforto das escadas rolantes, que rolam, rolam e rolam incessantemente enrolando meu dia. Que inveja tenho dos encanamentos de água, das tubu

Sucesso

Tá ai uma coisa que todos esperam. Fazem filas e por ele esperam a vida toda, em tudo que fazem. Como se fosse um ponto final, um resultado feliz. Em geral, sucesso se define numa promoção, seja ela amorosa, financeira, profissional ou espiritual, resultante de uma grande batalha, esforço, dedicação, estudo, perseverança, trabalho ardoroso, dentre outras coisas do gênero. Apesar dos sacrifícios que se faz, dizem valer a pena. O sucesso foi alojado no topo da montanha mais íngreme da cordilheira, poucos conseguem escalar até o fim. O fim é mesmo a palavra mais adequada, pois o sucesso nada mais é que o desfecho de uma história. Todos têm, mais ou menos, uns mais outros menos, idéia do sucesso que pretendem atingir. Sucesso: ascensão, algo de que se possa orgulhar. Olhos alheios se voltam com admiração. Imagem só, nós, ou melhor, você no topo da montanha, petrificado de alegria e satisfação; ali crava bandeiras vitoriosas e dá cabo a mais uma história, dentre tantas outras, n

Semente

Que tola pretensão a minha achar que poderia ajudar aqueles que não querem ajuda... Mundo tirano! Não, o mundo não é tirano, o problema são as pessoas, que podem fazer um mal danado a si mesmas, aos outros e ao mundo. Acreditei como uma imbecil, que envergada de palavras e idéias, poderia mudar o mundo; minha ambição nem chegou a tanto, me bastava uma única pessoa, que não se trata de uma pessoa qualquer, e sim aquela que para mim é única. Em determinados momentos, no calor da palavra, interrompidas pelo soluço do choro, quase implorei para fizessem efeito. Pedia, mesmo no fundo sabendo não ser o suficiente, que não apenas me ouvisse, mas que ao menos pensasse a respeito. Pedia para que, por favor, entendesse o que estava a dizer e uma vez mais, por favor, pense no que estou dizendo. Sei que por vezes pensa, mas acho que o que sempre prevalece é a vontade de permanecer imóvel, assim é mais cômodo. Num primeiro momento veio o êxtase e a satisfação em poder ajudar, pois acred

Deixe-me

Deixe-me voar, Flutuar, Gravitar, Girar, Levitar, Propalar, Desaparecer no ar, Rodopiar até me desequilibrar, Pisar estrelas, Adentrar as nuvens do céu, Ser céu, sol, caracol, Ser alvorada, crepúsculo, sinfonia, Içar velas para seguir viagem, Peregrinar em terras encantadas, Penetrar o paraíso em bem aventurança, Torna-me luz, Mas não esqueças de me vir apagar de forma que se faça valer o brilho de um só instante que seja. Hei de dançar, em passos ligeiros, lentos, calmos, afoitos, equilibrados, desajeitados, ornados, torpes, ousados, receosos, alegres, pesarosos, culposos, sossegados, a acompanhar ardente sinfonia. Seguem-se aplausos, Seguem-se vaias, Segue-se a banda a tocar até o espetáculo acabar, Hei-me a dançar... Hei-me a vibrar... Hei-me a viver... Hei-me a fenecer...

Revele

Revele-me seu inferno, Revele-me seus crimes, Revele-me seus pensamentos mais vis, Revele-me suas trevas, Revele-me seus desejos mais obscuros, Revele-me a sujeira varrida para baixo do tapete, mas não deixe que esta se espalhe e macule o que realmente és. Não me venhas mostrar supostas anormalidades de sua personalidade por meio de prantos culposos. Venha e se exponha seguro de si para além de sua sujeira conhecedor de sua verdadeira natureza. Que os fantasmas do passado jamais governem lhe o presente e lhe destrua o futuro. Que seus demônios sejam neutralizados e trabalhem a seu favor. Que estejas cá presente independente das desgraças que lhe ameaçam o equilíbrio. Que seus dramas de demasiadas origens verguem-se ante sua liberdade de escolha em levá-los ao topo ou ao cabo. Ereto, em movimento, soberano de si mesmo. A realizar a mais difícil das tarefas, você, livre para ser.

Maria em fuga

Em casa todos dormem… Sua mente insone se angustia cada vez mais sob a opressão do silêncio. Levanta-se da cama, procurando o controle da TV. Madrugada, droga de filme B! Desiste da TV. Alarmes acionados, empecilho para os zumbis da noite. Do outro quarto sonoros roncos ecoam. Pé por pé desativa o alarme. Os roncos continuam. O caminho está livre. Veste uma roupa qualquer. É dado início a fuga. Desce vagarosamente as escadas. Os roncos permanecem regulares. Onde estão as chaves do carro? Porque nunca deixam no gancho? Vai até a cozinha e lá estão sobre a mesa. Abre a porta evitando ruídos. Os roncos, ainda os ouve. Sinal livre. Agora a parte mais difícil, levar o carro. A arma do crime. Sem provocar um escarcéu. Gira a chave na ignição. Olhos fechados. Implora para que a mecânica do som falhe desta vez. Maldito seja, funcionou e muito bem. Motor ligado, não há como voltar atrás. Assim que se afasta de casa sente-se cada vez melhor. Liga o som e perde o rumo. Duas

Dado

Dado na mão, mesa vazia apenas migalhas de pão [rastros ordinários] Dúvidas [tédio], chove Mão cerrada, fria, comprime o dado [sopro quente] Quais as chances? [suspira] Rola o dado sobre a mesa, desliza na superfície lisa, cai [Pic! Pic! Pic! Pic! Piiiic] Quica no chão, para. Quais as chances? Seis! [sorri] O tempo se vai a jogar dados [Silêncio] Chove e o dado é deixado onde está [boceja. Sintomas do início do dia] E as chances? Já disse! São seis que se multiplicam por dez e por mais dez e mais dez e mais dez... [Arrepia. Imagina 6x10x10x10x10 infinitamente] A chaleira apita no fogo, é hora de tomar o café e se tornar novamente ordinário.

Senhor...

Senhor? Haveria o senhor de se despedir quando julgasse não mais suportar a realidade em que nos limitamos a viver. Há tempos não o encontro, nem mesmo na solidão a que se propôs. O senhor existe... Não é mesmo? Ambos sabemos... Não é mais segredo. Vossa mente perambula num extenso vazio, na esperança de se compreender. Os pensamentos que lhe percorrem a cabeça, tão leve e pesarosa, são como fogo líquido. Uma pena... Não toquei solo aberto por tremores febris de vossa imaginação. O senhor pensa ser dentre todos os seres, aquele a quem se esqueceu e não mais pôde achar-se em vida. Pode me ouvir? Devo então perguntar: E se em ti pousassem as esperanças de quem quer que seja? Vossas idéias percorrem o tempo – espaço e se aquecem se chocam se expandem... Qual fora mesmo vossa lição? Força propulsora fora plantada em terreno inóspito. A chama se fez por combustão de ínfima pequenez, firme e dispersa intensa e moribunda, fenômeno inconstante num giro imprevisível. Amigo, m

Queria estar com vocês

Queria ir, mas tive de ficar… Só queria passear. Queria ficar, mas tive de ir... Só queria me deitar. Queria lá estar em um jardim a nos sentar. Queria ali ficar a observar o pôr-do-sol ao lado de vocês. Queria adiante caminhar e conversar com vocês bem cedo assim que o sol nascer, em um lugar cheio de encantos simples, apenas meus e seus. Queria voltar e me aconchegar ao lado de vocês em uma noite qualquer a ver estrelas e cantar. Queria na sexta-feira junto de vocês colher frutos no quintal. Queria no domingo canoar com vocês, todos calados a sonhar. Queria com vocês acalentar o coração e sorrir não no futuro, mas num exato momento. Queria com vocês apenas o presente do presente. Queria estar... Estar apenas com vocês... Vocês sabem quem são... E sabem que era mesmo isso o que eu queria.

O livro

O livro Matéria concreta Ideia abstrata As páginas dançam e se tocam ao som do papel Mil línguas ondulam ruminam palavras engolem ideias Olhos famintos lhe invadem o texto O corpo do livro, preto no branco, palavras impressas A alma do livro, misto de cores, palavras expressas Os livros no cárcere da prateleira, conversam, sussurram, Discordam, concordam, Brigam, se amam Os livros sorriem ou choram atenção Todos eles carentes de olhos que os leiam e apoderem-se de sua intimidade.

Caminhos e Rios

Os veios dos rios cortam caminhos e caminhos cortam o fluxo dos rios. Caminhos e rios se cruzam, Se unem, Se aliam, Se abraçam, Se beijam, Caminhos e rios se nutrem. Brotam caminhos de onde nascem os rios, Caminhos se seguem, Deságuam os rios e florescem caminhos. Caminhos e rios se ornam de cores, Verde em vida, Vermelho em versos, Azul em afeto, Amarelo em arte, Delicados em profunda devoção, Dádivas dos deuses. Pudera eu trilhar caminhos... Pudera eu beber dos rios... Sem lhes tirar a vida que naturalmente me oferecem.

Monólogo da Árvore

Ah… Nós caímos... Derrubaram-nos… Não só a nós, mas tudo ao redor... Ao longo de quilômetros, milhas de distância, ouço todas as outras caírem. Deitam-nos ao chão, nos violentam e assim dão-nos utilidade. Fazem de nós o que não somos. Éramos seres vivos e nos converteram em matéria bruta. Nosso reino fora subjugado ao reino destes. No topo da cadeia alimentar, estão nossos algozes! São eles, os detentores de poder do reino animal. O homem, dito mais completo e perfeito organismo de seu reino, nos pisa como gigantes a caminhar sobre gravetos. A grandeza de teus atos limita-se a si mesmos, mas os propósitos de suas ações ultrapassam quaisquer fronteiras. No cume de sua genialidade destroem-se entre si. Ministros da guerra. Ceifadores funestos. Semeadores estéreis. Eu cá estou, não sendo eu e sim aquilo, em singelo monólogo orvalhando palavras ao léu.

É preciso experimentar

Experimentemos a mudança, pois só assim poderemos penetrar outros corações. Experimentemos de nossas próprias invejas antes de alimentá-las. Experimentemos de nossas próprias ofensas antes de proferi-las. Experimentemos de nossos próprios julgamentos antes de julgarmos alguém. Experimentemos de nossas próprias ciladas antes de pensarmos naquelas que visamos criar. Experimentemos de nossas próprias brutalidades antes de cometê-las sempre que nos convir. Experimentemos de nossas próprias falsidades para refletirmos se iremos praticá-las. Experimentemos de nosso próprio veneno e decidamos se devemos expeli-lo ou não. É preciso experimentar para saber se iremos mesmo gostar e se teremos mesmo prazer. É preciso sofrer o que faremos para os outros sofrerem. É preciso sentir aquilo que faremos com que os outros sintam. É preciso conhecer o mal que pretendemos perpetuar. Mas é também preciso pensar no bem que poderíamos propagar. É preciso experimentar a gentileza que podemos

Réplicas Tétricas

Andam a seguir pessoas, e de longe a espreita, as vêem como presas em potencial. Tome direção à esquerda e lá estão eles. Vire à direita e mais uma vez se depare com os mesmos. Corra e na boca do lobo estarão. Pelos corredores, escadas, elevadores, banheiros, nos odores dos ares farejam seus passos. Observam afastados e no olhar sustentam o brilho do mal. Seguem exalando energia nociva, trucidando reses. Promovem o acaso, e ao cabo do caso escapam ilesos. Por pouco não falam, grunhem sons grotescos. Vibram horror, causam repulsa. De suas peles, expelem suores sebosos emplastrados de medo e desalento. Emitem vapores sulforosos em atmosfera subumana. Suas vitórias são perdas de si. Suas perdas são relatos anônimos. Suas almas são censuras e tarjas, escuras e cruas. Sua fome é réu primário. Sua sede é Rei deposto. Suas vidas são o reflexo do mundo como se passou a acreditar. Seus fantasmas transcrevem traços fechando-nos em círculos anelares. Seus corpos inanimados

Dementes

Reles dementes, Morrem suas mentes, Passos cadentes, Vontades pendentes, Dores dormentes, Sorrisos sofridos, No peito se estampa a culpa, Culpa da qual não tem culpa, Caminha a sombra de impressões de que algo está errado, Áspero anseio! O que será? Poderia ser a chuva na janela, As árvores na calçada, A beleza morta nas flores do floricultor, As luzes de natal, O carro apressado que avança o sinal, O silêncio da noite, O nó na garganta, Os ponteiros do relógio, Os jornais que voam na ventania, As notícias de ontem que se apagam em uma poça qualquer de hoje, As palavras cruzadas, A previsão do tempo, A previsão dos signos, O alinhamento dos astros, Tolas crendices astrais, donas de um destino previsto, por elas lhe é devorado o futuro. Deixe-os crer, mas não decidir no que acreditar. O destino destina-se destemido e revela-se à luz do tempo!

Realidade

Realidade, ó anarquia decrépita. Expele verdades tal qual pus da ferida. Descarada mentira estapeia-me a cara. No correr do dia e ao cair da noite, se diz cumprir o segredo do sucesso! Nada melhor que um jargão porcalhão! A vida é uma festa, então pague o ingresso! Todos a postos, meneia a multidão, Contundida argamassa. Certeza dos fatos, aprazível remédio. Tecnologia em ascendência, Miríade virtual. Bem-vindos senhores e senhoras escancaram-se as portas, Façam de vos nutritivo alimento, Sinto cheiro de carne... Fareja o caçador. Os ardis maquinários, Ornam o espaço e a todos envolve em sutil perversão. Tenazes sujeitos sujeitam-se ao fim, O tempo urge em aguda distorção. Homens formiga, débeis corpos cansados. Desejos dragados, Amálgama universal. Colossal compressor, Humanidade anônima. Ardida chicotada. Poderosa imagética, em esboço amador.

Abandono

Peço-te que me abandones, deixe-me viver e morrer na dor de não pertencer a ti. Imploro-te para que estejas próximo, pretendo não perder-te de vista, porém não almejo ver-te nitidamente. Contento-me apenas com tua sombra sorrateira, mas temo em breve isto não ser sustentável. Coloco-me na transição entre os extremos. A dúvida consome meu ato de decisão, estes minutos são finais e os próximos serão meu fim. Deixe-me até que meus caminhos não mais cruzem os teus, até que a dor lacere meu peito e meus sentidos não mais sejam confiáveis. Espera-me em planos secretos, onde minha existência consagrada de vida se deixa tomar por teus apelos. Assim sendo irei para quem sabe um dia retornar novamente.

Guerra

Cá onde estou, rebenta uma guerra de matéria neural, Propagada além da ossatura e fluxo venal, Decorre em espasmos mentais. Guerra psíquica, Campo minado do inconsciente, Sopro volátil de entidade incorpórea, Agente infeccioso de contagio moral. Revoltas sensações cavam trincheiras no terreno da razão. Na linha de frente marcham kamikazes, Entregando-se à dor incurável. Sádicos lamentos fraturam-me a alma. Invadem-me apetites coléricos e, Irrompem-se calorosas batalhas. Verborreicos açoites castigam-me o espírito, Fulminantes delírios laceram-me o peito. Lufada vital traga-me sementes de ouro, Crave-as em meu corpo astral, Remova do meu coração as flechas que o perfuram, Dos meus pés grilhões que se arrastam, Dos meus olhos pesares que os pesam. Só não dê novamente uma trégua, pois dela se ergue uma onda que a todos os sentidos engole.

Eu

Eu tenho um nome, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho vários sonhos, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho várias perguntas a fazer, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho várias respostas a dar, mas ainda não sei quem sou. O tempo está passando e eu ainda não sei quem sou. O tempo continuará a passar e eu continuarei a não saber quem sou. Não sei o que irá ocorrer quando eu souber quem realmente sou, se é que um dia irei saber. Por enquanto me contento em dizer que sou um ser humano que tem suas vontades, que sonha, que tem suas opiniões, que tem suas crenças, que vê o mundo de certa maneira, que tem suas necessidades básicas, que apresenta controvérsias, que tem seus defeitos, que tem suas virtudes, que se questiona e que tem esperanças. Eu não sei o que me espera no futuro, mas sei o que eu espero dele. Eu percebo as coisas que vejo e toco e penso sobre as que não posso ver nem tocar, por enquanto isto é tudo, mas não é o suficiente. Eu estou escrevendo, porque acho que

Na linha de um trem sem fim

Assobia o apito do trem, sonoro convite à infinita viagem. Sobem a abordo anseios de quem os têm. Por trilhos outrora trilhados, conduz passageiros que passam e no passado se fincam. Vagos vagões trepidam aflitos. Ferrugem e fuligem forram os leitos. O trem engrena planos possíveis, Enveredado por desejos tirânicos. Imprimindo velocidade assassina, Verga-se ao peso de férrea volúpia. Caminho de ferro, que intuito terás? Carregas o fogo da eterna vontade, Em qual estação deve o intento saltar? Na linha de um trem sem fim, esperamos o que nos espera. Embarcamos no trem que busca tudo aquilo que se deseja e por nunca deixarmos de desejar o trem se chama sem fim.

Fez-se e se desfez

Não mais lançava o olhar ao céu, pois se lhe seguiam alto os arranha-céus. Não mais deitava a ver nuvens sossegadas sobre o gramado, pois se lhe passava uma avenida. Não mais dançava sob os raios de lua, pois se lhe ofuscava as luzes da cidade. Não mais apanhava os frutos da caramboleira, pois se lhe sobrepunha um passeio público. Da natureza fez-se propriedade, Da menina fez-se cidadã, Da liberdade fizeram-se os direitos, Da sede fez-se a necessidade, Do tempo fez-se prisão, Desfizera-se o tempo em que a menina vivia e fizera-se o tempo do qual vive a menina. Ao fim e ao cabo, fez-se poesia, que dela e nela vive.

Se

Não deveria esperar pelo sol nem pela chuva de amanhã, Nem me preocupar se o dia será bom ou ruim, Ou se será como imaginei, Não deveria jogar a bola com tanta força para o outro lado do muro, porque corro o risco de não encontra-la jamais. Se olhar para trás, sei o que irei ver, Se olhar ao redor, vejo o que ficou e imagino o que vem além do horizonte, Se olhar para o espaço onde estou, insisto em pensar nos passos que dei e naqueles que quero dar. Se ficar onde estou começo a esperar, Se voltar para onde estava me vem a esperança de poder modificar os quadros tristes e reviver os mais felizes. Jogo a bola para o alto, sei que irá cair mais rápido do que esperava. Mera ilusão ter a bola em minhas mãos. Chuto a bola para frente, mas não corro para ver onde vai dar. A partir daí, apenas a certeza de que não adianta esperar ela voltar, pois sou eu quem deve ir buscá-la.

Poema escrito para um homem chamado Joseph Merrick

Enfim, construíra seu castelo encantado, Sua igreja matriz, Vivera seu sonho distante, Sonhara milhões de sonhos mais, Tornara-se um homem comum, Recebera seus cumprimentos, Fora admirado, Sentira-se grato, Vira-se nos olhos daqueles que o observavam com curiosidade, Divertiram-se com sua imagem, ao passo de seu sofrimento, Ainda assim, enxergara comovente beleza nos rostos que dele zombavam, Seres celestes, senhores da vida, legitimados na perfeição, Fizeram-lhe monstro, animal, bárbaro anômalo, Fizeram-lhe marcas, dor e medo, Quando, na verdade, era um anjo de medonha aparência, Um corpo perdido no caos, Ser transcendente, metafísico. Era nobre. Era apenas um homem. Queria sê-lo e o era. Temia o mundo que lhe ofereciam, Numa esfera abaixo da humanidade, Para tanto, engendrou projetos quiméricos, Levou-os às ultimas conseqüências. - Sou um ser humano! – implorava a Deus que fosse verdade. Fora um espelho quebrado, que refletiu a imagem e semelhança disforme d

Pecado do amor

Vamos nos encontrar no cais de um navio prestes a afundar, ali me beijes irradiando certa dúvida, pois só assim lhe verei por dentro. Se a noite for duradoura prometo lhe dizer palavras suaves até você dormir e quando isto ocorrer tomarei em uma taça fina de cristal, meu veneno favorito. Em goles dolorosos a cicuta desce, marcando toda minha passagem por este mundo. Quando acordares estarei a iluminar, como os raios do sol, sua face agora desamparada sem minha presença carnal. Não me julgues, pois ao teu lado meu corpo não mais acordou. Saibas que lhe devo o mundo e este lhe darei, repleto do amor que jamais pude conceber em vida.

Pensamento

Não se permita pensar em outro que não este pensamento Pensamento este que se estampa entre vários outros Emana em infinidade Como peças que se sobrepõe Como círculos circunscritos em si mesmos Rudimentos artísticos de labor mental Incógnitas de uma expressão algébrica Deixe que seja Assim nasce na alma e deságua no corpo.

Saudade

Saudade é uma explosão que se dá de dentro para fora, É alento de dor mergulhado no prazer da lembrança perpétua, Silencioso vestígio de sua presença, Irreparável ausência de sua pessoa.

Partícula

O canto de um pássaro num fim de tarde, conversas isoladas num canto. Fotos congelando imagens em paralelo a uma memória esquiva, sem provas convincentes. Um perfume que exala lembrança, vestígios não investigados. Rumores, murmúrios, sons disformes flutuam no espaço e desaparecem como transeuntes no horizonte enevoado. Não há nitidez a não ser pelas moléculas de água que contra a luminosidade existente, apresentam um formato supostamente arredondado. Água: forma manipulável e volume fixo, fria, quente, morna contrapondo-se a prateleira de livros, duros, sólidos, maciços. A partícula d’ água pousa sobre o livro provocando uma verdadeira revolução, vindo a evaporar. O livro permanece o mesmo, intacto exceto por uma minúscula mancha em sua página. O que pensava eu exatamente quando a vi pousar? E os demais, que pensavam? Quem mais além de mim a viu? Seria sensato pousar meus pensamentos sobre as páginas de um livro como gotículas d’água que se precipitam causando uma tempes