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Mostrando postagens de novembro, 2009

Encanto

Aos onze sentei-me em um banco de igreja Chorei as lágrimas do senhor que orava ao meu lado Senti um pesar por não tê-lo conhecido Uma dor selvagem me rasgava o coração Escondi o rosto, evitei pessoas Corri até lá fora, o céu estava rubro As noites passadas estancaram no tempo Emergia mais um espetáculo de estrelas Brilhava o sol do outro lado do mundo Em mim o lado negro da lua Cegueira Sítio sombrio E de pronto meu encanto surgiu, pelo breu que meu pranto calava

O corpo

Eu caminhava na neve Os passos se afundavam No vazio daquele quadro pálido Andava em círculos, cavando cada vez mais fundo Girava cada vez mais perto, me aprofundando nesta cavidade Uma lacuna, um buraco, olho negro da terra Um flerte da morte, apaixonada e faminta Ossos trincados, porosos enganos De posse bastarda Morosa consumação Corpo findo alma infinita Um dualismo judaico-cristão Povoou-me as fantasias Pretensões desvairadas De um ego vaidoso Convicto de sua nobreza De imaculado saber Opressor da matéria A julgar Condenar Sentença brutal: O corpo Relegado a domesticação Mas hão de lhe fazer justiça, nos confins desta terra Das paixões que lhe reprimem, das angústias que lhe imputam.

Já é tarde

Deixe tudo como está Os papéis sobre a mesa Os livros no chão Meu coração é um punho fechado, dilacerado Minha alma é um mundo perdido, soterrado Preciso dormir. Amanhã é uma prova Uma prova do tempo Hoje não parei para olhar o céu. Nem ontem O sol não me toca, nem queima. Não dentro deste gabinete Se não me apressar, perderei a manhã e parte da tarde Já você, quando não estou ao seu lado, perco cada segundo de um olhar a um sorriso. Perdão. Já é tarde Perdoe-me, mas é sempre tarde demais.

Sossego

No fim da tarde A cigarra começa a cantar As copas das árvores começam a dançar Eu me sento sobre o toco de tronco rachado Olho distante esse mundão que parece dormir E um pouco de paz a que tanto aspiramos me chega ao coração Mal posso fechar os olhos com medo de abri-los novamente e meu mundo se desvanecer.

Paisagem

A neblina cobre as montanhas que cercam a cidade Revelando aos poucos seus contornos irregulares Na orla o mar se ergue como um colosso, deitando-se sobre as areias profanas do vasto formigueiro de saúvas. À suas costas abre-se um recôncavo impedido pelo aterro, águas insalubres tingidas de negro petróleo, submetidas à vontade humana. Superfície tremulante, dotada de um sossego letal. Persiste uma paisagem fingida, como o frescor das flores mortas de um ramalhete. Simulacro da vida que aos poucos se esvai. Maravilha desgraçada e poluída. Destroços de um sonho vencido. Paisagem, desenho borrado, passatempo para aqueles que se põem a admirar aterradora ficção.