quarta-feira, novembro 16, 2011

Limite


Há algum tempo opero no limite. Até onde se estendem as fronteiras que me cercam, entre visão e cegueira, eminencia de emergir. Prestes a submergir de volta ao fundo, ao silêncio eterno dos oceanos calados, onde mal se propagam as ondas de som. Universo infinito a calar o caos insignificante das vidas que aqui se chocam para sobreviver.
Certo dia chorei no caminho para casa, um retorno custoso, certa do cansaço. As lágrimas continham no sal amargo das águas que rolam, um sentido que se afasta dos dramas da vida, da teia de relacionamentos que nos envolvem e aprisionam nas mais obscuras tragédias. Um mundo de milhares de egrégoras, imensos cúmulos a escurecer, entristecer.
Aos poucos a mente que insiste em reger meus movimentos, pensamentos, sentimentos, começa a desvelar o caminho linear e certo da vida, um novelo intrincado, labirinto confuso, um quebra-cabeças que jamais se encaixa. O filme retrocede ao passado e então começo aos poucos a desaparecer, apagar-me diante dos eventos que forjaram uma história de vida.
Pondero sobre a possibilidade de definitivamente apagar os registros que me identificam como parte da vida daqueles que assumiram papéis neste filme da vida e então me desloco do universo onde meu ser significa o que quer que seja para aqueles que por mim passaram, para um em que ainda não emergi como vida assim como a concebemos.
Num mundo de silêncio e observação, sem que haja interferência dos dramas de demasiadas origens, das dores de infinitas naturezas, um eterno entender, uma compreensão que transcende a vida humana se me revela possível, um ser que independente da matéria, pura energia a existir e mover-se infinitamente além do tempo. Além da humanidade. Além da verdade. Além da moral. Além do organismo simples e complexo.
E se pudesse ser além das fronteiras do saber. Além do conhecido. Do experienciado. Do possível.
E se eu pudesse deixar de ser a individualidade de um ser que se difere dos outros neste mundo. E se pudessem cair os muros do que sou, da personalidade que anima este corpo, da singularidade que impulsiona esta vida e se pudesse fazer parar esta mente que tagarela e ofusca a beleza do silêncio.
E se pudesse deixar a transitoriedade para ascender ao que não teve princípio nem há de ter fim.
Aos poucos o movimento foi apagando as milhares de existências e o coração que a pouco se ressentia em deixar e se desapegar, foi-se aquietando e aceitando o desconhecido, ouvindo pacientemente as vozes se calarem, os vultos se apagarem, as ameaças se extinguirem, chamando para si o infinito daquilo que jamais fora experimentado. É certo que as retas paralelas irão se cruzar em algum ponto no espaço. Suspiro aliviada.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Um dia

Um dia...
Um dia teremos isso e seremos aquilo e então seremos felizes...
Um dia chegaremos lá...
É sempre um dia,
Um dia que não se sabe qual, porque nos parece longe
Um dia que não é amanhã, nem depois, apenas um dia...
Assim como estes três pontos no final das frases que parecem não querer terminar, ou que parecem querer dizer mais, sem ainda saber o que...
Tudo fica em extenso, nada pousa, por isso nada do que um dia queremos que seja, podemos tocar.
Não podemos tocar esta ilusão, mas podemos vivê-la e, por tanto querer que seja feita realidade, podemos por ela viver e lutar.
Pela ilusão brindamos e torcemos para que um dia... você sabe... quem sabe um dia...
Mas sabemos que a cada passo do tempo, um dia se torna cada vez mais distante, como se de nós quisesse escapar...
Uma poeira no vento, uma fumaça na brisa, soprada cada vez mais para frente...
Enquanto isso nós vamos ficando por aqui, sonhando eternamente com o dia em que um dia chegará para nós, tal qual sombras a esperar pela luz gloriosa do sol.
Hoje o céu permanece nublado, carregado de sonhos, perspectivas, desejos, ilusões...
Um dia quem sabe ele se abra e então teremos alcançado o tão esperado dia.
É sempre muito distante, aquilo que não se pode ter, se não fosse o desagrado dos dias de hoje, quem sabe hoje não pudesse se tornar um dia, aquele dia!

domingo, outubro 09, 2011

Revolução pessoal

Para promover a transformação, a renovação, a revolução, é preciso partir de si mesmo e não meramente de autores, manuais, ideais, opiniões alheias, filmes, professores, cursos, dentre tantos outros. A revolução começa internamente e a partir daí se expande para o mundo externo em consequência da transformação que já explodiu e inundou todo o seu ser que viu com seus próprios olhos a ilusão erguida diante de si como realidade.
Não se trata de concordar ou discordar desta ou daquela posição, não estamos falando em posicionamento, estamos falando daquilo que é. Quando a transformação torna-se o próprio ser, sua consciência se desloca em direção ao caminho da revolução tornando irresistível a mudança a sua frente.
Não se trata de fé cega, crer sem ter experimentado por si mesmo a implantação de uma nova consciência, não se trata de seguimentos nem de aceitação deste ou daquele dogma, colocações e posicionamentos, não há fé nem religião, existem apenas certezas quando visualizamos pessoalmente a realidade que habitamos de um panorama maior.
Não adianta concordar com quem quer que seja, é preciso ver e perceber por si só a ilusão em que vivemos e tudo há de se tornar tão claro que tal realidade torna-se inaceitável. É preciso partir do coração, despido de sentimentalismos, da razão, livre de condicionamentos, atingindo lucidez o suficiente para perceber o cenário erguido e por meio desta percepção abrir aos poucos as cortinas desta grande peça. Então, o que temos como tudo, perde o sentido e abre-se um mundo infinito de possibilidades, do desconhecido pronto para ser explorado por nós mesmos, independentes de opiniões alheias, posicionamentos consagrados, de visões especialistas. A viagem passa a ser trilhada de acordo com nosso verdadeiro ser e não de acordo com o que nos foi imposto ou empurrado goela abaixo.
Um caminho onde somos senhores de nós mesmos, onde temos a capacidade independente e confiante de decidir sem nos basearmos nisto ou naquilo, é preciso conquistar a confiança em nossas capacidades ainda não exploradas, ainda desconhecidas, nos empenharmos no desenvolvimento livre e infinito da capacidade humana em conjunto com todo o resto, em unicidade e não em desagregação. Não há superioridade deste ou daquele grupo, o que existem são seres que fazem parte de um mesmo organismo que só terá desempenho a frente se houver contribuição e trabalho em conjunto ao invés de curvarem-se a divisões inúteis e ilusórias que só fazem senão destruir o organismo em que vivem, não os levando a lugar algum, mergulhando todos em uma panaceia inútil.
É necessário trilhar o caminho para então aderir a causa, a vontade nasce no coração daquele que viu por si mesmo a verdadeira vocação dos seres que herdaram a vida do infinito universo.

quarta-feira, setembro 28, 2011

Num mundo memória

Durmo e acordo tateando no escuro
Num mundo de memórias, apagado e chateado
Brumas cinzentas dos vestígios passados
Um suspiro que morre no peito.
Coração fraco e enterrado, soterrado de ilusões
Desculpe-me a dureza e o peso de meus sentimentos
A escuridão de onde falo, a frieza dessa vida.
Peço compreensão, ainda que não carregue o fardo de sentimentos tão tolos e inúteis.
Como se preciso fosse pedir, já sabes...
Me espere, sei que espera, me espera com paciência infinita e um dia hei de chegar e tocar sua mão.
Por vezes vem e me abraça, quando me estendo até os limites do possível e eis um abraço...
Abraço daqueles que fazem calar tudo ao redor e então deixo de ser apenas eu e sou então...
Num mundo despedaçado e miserável como esse não nos resta nada além de memórias, como verdades absolutas, vontades resolutas.
Aqui acessamos o amor, pequeno pedaço de amor, por meio da memória guardada, prisão do passado, então deixe-me transmitir um pouco, quase nada do que sei do amor, assim através da lembrança, haja o que houver, fique com o melhor que existir de mim e então saberá um pouco mais desta coisa a que chamo amor.
Ao meu filho deixo um manancial de lembranças do dia em que fomos felizes.
Vai junto o amor a todos que já amam e principalmente a quem a muito deixou de amar, para que se lembrem da sensação que é abraçar tudo o que há, deixar-se arrastar pela energia pacífica de um universo infinito e desconhecido a silenciar nossas mentes sombrias.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Me perguntaram quem sou, eu disse ninguém

No cais pousa uma alma noturna, eterna e diminuta frente aos dramas nos quais a mente mantem-se embebida.
Uma consciência há milênios adormecida.
Bêbada de ilusão.
Atormentada de vícios.
Confusa frente a grandeza superficial dos problemas que assolam incessantemente a vida humana.
Quão ordinário é o homem que nós somos, de pé no cais.
Um corpo movediço e mortiço, pendendo para cá e para lá, como um barco a deriva.
Erguia ao redor uma tempestade macabra, trovões malfeitores, ventos fora da lei. A lei da vida e do universo de nada vale neste mundo de enganos.
O mar estoura nervoso na praia dos atordoados.
Nos braços carrega o medo, um medo primitivo, resgatado de eras remotas.
Medo que constantemente se renova sobre novas faces, que se atualiza sempre e sempre em seu e nossos corações.
Não é a noite nem o mar, e sim ele quem teme o desconhecido que somente nele e em nós habita e interminavelmente dura alimentado, mais e mais, na medida em que depara-se com o inexplicável de si mesmo.
Falta-lhe (nos) maturidade, mas é já um homem, ancião, vivido e sofrido, vai-se mergulhando cada vez mais nas andanças desesperadas da alma. Uma criança que nunca cresceu, nem quer crescer, pelo menos ainda não. Não agora que prefere mergulhar cada vez mais e mais fundo em ilusões, bebê-las todas de uma vez. Um bêbedo que jamais vislumbrou a lucidez.
Peguntaram quem era, mas não havia ninguém.

terça-feira, setembro 06, 2011

Templo do infinito

Se eu me calar para ouvir o som
O som que vibra de dentro
De dentro do meu coração
Não de um órgão, de sangue e carne
De um lugar sutil, quase imperceptível a olhos desatentos
Um lugar e som só meu
Não há início de um lugar nem fim de um som,
Sem que haja um no outro, confundindo-se em um só
Só então comecei a entender verdadeiramente o jargão daqueles que se voltam um pouco mais para a espiritualidade: “Meu corpo, meu templo”.
Volto os olhos para dentro de um templo infinito, ilimitado e destemido
E nada posso ver além da verdade desconhecida,
Sinto então minha alma se expandir para todos os lugares de uma só vez
Cresço tanto que nem sei o quanto, perdendo aos poucos a dimensão do meu tamanho, sigo viajando na infinitude de meu ser e não há lugar onde queira estar além de em mim mesma
Vou me achegando aos poucos a um universo jamais imaginado e então meu templo inunda-se de sensações milhares
Sigo eternamente levantando voo em meio a pousos variados no tempo e conquisto a certeza de que estou viva para sempre
Aqui dentro tudo se aquieta para deixar fluir a verdadeira força que nos move, deixo partir livremente o espirito outrora aprisionado ao corpo, deixo que se manifeste e mergulhe nas energias, onde a razão humana não pode alcançar e vou assim renovando a todo o tempo um ser que muito havia se esquecido.
Vou aos poucos desafrouxando os laços apertados com este mundo de ilusões e dramas diversos, para alçar livre.
Longo caminho a trilhar, milenares medos a vencer, infindáveis dramas a superar, mais a respeitar, mais a me desapegar das coisas e pessoas, mais a deixar para trás vícios e manias, menos bagagem a arrastar.
Vou pelo caminho deixando o peso das coisas, a fim de levantar voo rumo ao templo que em mim habita.

quarta-feira, julho 06, 2011

Débito


Neste mundo assim que nascemos contraímos uma dívida.
E conosco a dívida cresce, indefinidamente, inevitavelmente.
E então somos ao longo de nossa existência preparados para pagar estas dívidas.
Não tivemos a oportunidade de escolher se queremos ou não nos endividar, simplesmente somos forçados a pagar como condição inerente ao nosso ser.
Um pagamento parcelado até o último suspiro de vida.
Ingressamos na escola e somos aos poucos preparados para a vida, que se resume ao mercado de trabalho. Nos ensinam que é preciso trabalhar para que sejamos dignos, para que sejamos “alguém”.
Aos poucos nos ensinam que não devemos confiar em qualquer um, nos ensinam que devemos ter cuidado com o mundo lá fora, nos ensinam a temer e com medo nos entregamos, nos ensinam que devemos ser fortes para suportar o peso da cruz que devemos carregar, devemos suportar as pressões com perseverança se quisermos vencer. Nos ensinam, portanto, a suportar a escravidão docilmente sem jamais questionar o porque disto tudo, afinal, não cabe a nós pobres mortais questionar as coisas que sempre existiram e sempre existirão desta maneira.
Não cabe a nós, pequenos humanos, refletir sobre o que realmente somos, cabe a nós aceitar pacificamente nossa situação, aceitar o mundo como ele é, por mais injusto que pareça, pois o tempo todo tentam nos convencer de que todo esse sofrimento vale a pena, seja porque a religião nos promete o paraíso e libertação após uma vida toda de provações, seja porque o sistema monetário nos promete uma vida confortável e estável, após anos de trabalho incessante, seja porque aqueles que amamos nos fazem querer seguir a diante neste caminho de espinhos, dentre milhares de outros motivos, de outras promessas, de outras mentiras e falácias, tão falsas quanto a vida que levamos, quanto o amor que supomos ter.
Quão rudimentar ainda somos, escravos de um sistema de milhões de possibilidades para se endividar ainda mais e a isso chamamos liberdade de escolha, liberdade para decidir seu próprio destino, liberdade para ser o que quiser, fazer o que quiser.
Nem sequer arranhamos o real sentido de liberdade ainda, nem sequer imaginamos o que isso possa ser, de tão cegos que estamos, de tão escravos que somos, de tão enganados, de tão sedados.
Como pode uma humanidade inteira curvar-se a tamanha mediocridade, deixar-se conquistar por um materialismo paupérrimo, levando uma vida com tamanha incompetência.
Contentando-se com felicidade aos pedaços, entre altos e baixos, como podemos aceitar com naturalidade abusos contra a própria vida no planeta?
Uma vida pobre, quase inútil, despedaçada, fragmentada, apagada.
Achamo-nos especiais? Incomparáveis?
Pois digam-me onde estão as particularidades de seres que aceitaram curvar-se todos a escravidão, a padronização, classificação, uniformização.
Creem que seu modo de vestir é único, seu gosto musical é único, seu estilo de vida é único, pois saiba que milhares de outros vestem estas mesmas marcas, ouvem estas mesmas músicas, levam o mesmo estilo de vida. Tudo o que se enquadra neste sistema falso e corrupto é feito para uniformizar, enquadrar, encaixar peças em um tabuleiro para que toda esta mentira se perpetue.
A particularidade de um ser não se resume a roupas, músicas, estilos de vida, nada disso importa realmente, tudo não passa de uma superfície que se enquadra a um sistema incivilizado. Nada disso revela a potencialidade do ser humano integrado a todos os outros seres, nada disso explora as verdadeiras capacidades dos seres que coabitam o mesmo ambiente, o mesmo planeta, nada disso conjuga a unicidade presente em todas as coisas falsamente separadas e divididas.
Como podemos nos deixar levar assim ao nosso próprio fim tão pacificamente, como podemos nos conformar com toda dor gerada, como podemos legar às gerações futuras, aos nossos filhos, a todos os seres vivos tamanha destruição.
Nosso modo de vida deveria ser motivo de vergonha e indignação e não estagnação e aceitação! Vamos nos levantar, vamos acordar deste pesadelo e começar desde já a reverter a situação, deixar de lado as futilidades do ego, enxergar a diante, remover o véu da ilusão em que vivemos e começar a erguer uma civilização. Nem sequer somos uma civilização, estamos abaixo disso, no fundo do poço, não há mais degraus para descer, mas ainda há muitos para subir.
Porque continuar a rolar na lama em que estamos, porque nos limitarmos a revirar o lixo que criamos, porque nos repetirmos eternamente em erros que tantas e tantas vezes cometemos?
Porque tamanho apego a todas as coisas, não é preciso se prender, segurar, de nada adianta, pois todas as coisas um dia deixarão de serem nossas para serem de outro alguém.
Este sistema precisa acabar, precisa quebrar, é preciso por fim a toda essa ilusão inútil em que vivemos. Cedo ou tarde vai acabar.