quinta-feira, outubro 16, 2008

Caminhando só na noite

Passos distantes quase abstratos
Deslizam no asfalto
Negro superficialmente brilhante
Reflexos difusos tais como pensamentos
Espalhados, deixados no chão
Afastados do ruído
Dos estalos dos brindes
Dos talheres pousados sobre a louça
Das vozes sobrepostas
Das risadas vibrantes
Das mesas repletas
Das orquestras sinfônicas das reuniões
Por vezes suaves agradáveis
Por vezes secas insuportáveis
Seja como for, os passos se vão cada vez mais longe
Mergulham num prazer quase que por necessidade de estar só
Rumo à brisa descompromissada
Rumo ao inevitável frescor e torpor
Tão precisos
Tão queridos
Íntimos e próprios
E quem sabe o que irão encontrar logo à frente?
Se for a lua em céu estrelado
Quem sabe refletida sobre negras águas
Se forem as luzes artificiais sombreando-me os passos
Se for o vento a levantar-me os cabelos fazendo-me cócegas
Se for o vento a levantar-me as vestes causando-me arrepios
Se for a noite que a mim se entrega num leito de negro cetim
Se for a noite que a meus pensamentos engole voluptuosamente
Se forem meus passos e a noite em coito apaixonado
Que sejamos um só
Meus passos e a noite em silenciosa cumplicidade


sexta-feira, outubro 10, 2008

Nós e os "outros"

O que mais decepciona é ver que para fazer com que as pessoas cooperem em não destruir a natureza, o planeta, é ter de convencê-las de que isto será bom para elas, de que isto irá propiciar a propagação da espécie humana, será bom para as gerações que virão.
Será mesmo que para fazer bem a algo ou a alguém, precisamos fazê-lo somente porque isto nos faz sentir bem diante de nossa ação nobre? Porque nos faz sentir uma pessoa melhor, nos faz acreditar que fazemos a diferença, dentre outras coisas?
Será que devemos nos engajar em pró de uma causa apenas porque ela nos servirá no futuro? Nos fará bem, nos fará melhores?
Será que as coisas não têm um valor em si mesmas?
Um valor independente de nós? Exterior a nós mesmos.
Vamos assumir que as coisas existam independentemente de nós e que existam não apenas para nos servir.
Vamos admitir que o mundo não gira ao nosso redor, vamos admitir que este mundo que criamos como nosso, as custas de vidas de diversos seres, pode não ser o melhor, ou que pelo menos ele não é o único que existe; que ele é um artifício.
Vamos ajudar independentemente do que venha a nos acontecer.
Deveríamos assumir as consequências de nossos atos, porque foram os nossos atos e de mais ninguém.
Os desastres naturais são um crime não apenas contra os seres humanos vitimados, mas principalmente contra a própria natureza, devemos nos condoer pelos que morreram, mas não somente por aqueles de nossa espécie, pois os “outros” que para maioria são apenas os “outros” são também seres vivos.
Deveríamos considerar os atos que cometemos contra a natureza, pois se ainda é consenso a vida ser algo sagrado, pensemos não apenas em nossas próprias vidas, mas em qualquer vida.
Em nenhum momento a natureza se rebelou ou se voltou contra nós. Ela não é vingativa como nós seres humanos, não se pode dar a ela características humanas.
Os animais não estão invadindo as cidades como se costuma dizer, somos nós quem estamos invadindo o espaço deles. Eles não são assassinos como por vezes se costuma afirmar, dentre os animais o único capaz de cometer assassinato somos nós, não nos cabe darmos a eles características que são nossas.
Somos o animal mais complexo da cadeia alimentar, mas também o mais egoísta, o mais destruidor, o maior predador em função de interesses que ultrapassam e muito as necessidades biológicas comuns a qualquer ser vivo.
Somos a humanidade, mas também somos natureza, fazemos parte dela ou pelo menos algum dia fizemos. Cada vez mais nos afastamos dessa natureza, de nossa natureza original e talvez este afastamento seja característico de nossa própria natureza. Talvez a tendência à artificialidade faça mesmo parte de nossa essência e nossa complexidade nos levará cada vez mais longe na abstração, porque talvez sejamos apenas fruto de nossa própria criação.
Talvez na verdade, se é que ela existe, sejamos o velho mamífero das cavernas reinventando a si mesmo constantemente numa duradoura ilusão.

terça-feira, outubro 07, 2008

Aproveite

Ahhh como adoro frases típicas de auto – ajuda que nos dizem coisas tais como:

A vida é uma só, aproveite-a bem!
Viva cada momento, cada segundo com intensidade com se este fosse o último, aproveite o tempo que tem para ser feliz!

Eu pergunto: Mas o que é isso? A vida é um produto, que deve ser consumido/ aproveitado antes que vença a data de validade? Será que é isso o que querem dizer?

E como será que devemos então aproveitar de maneira adequada cada segundo de nossas vidas? Sim, pois a vida esta sendo cronometrada detalhadamente na base dos segundos, devemos nos apressar o quanto antes para nos satisfazer, nos tornarmos felizes.
Deveriam mesmo é lançar um manual de como aproveitar bem o resto do tempo que ainda possuímos de vida.
Aproveitar o RESTO.
Não gastar atoa o tempo que ainda nos SOBRA.

Resto... Sobra...
A vida é o que? Resto de tempo? Sobra de tempo? A vida é o tempo? Ou o tempo é a vida?

Vamos aproveitar...
Vamos aproveitar essa coisa que nos move, porque com ela nada mais podemos fazer a não ser aproveitá-la, usá-la, consumi-la até o fim.

Conquiste seu espaço!
Eu diria: Ora, pois já o tenho! Tudo que ocupa lugar no espaço e tem massa é matéria – já nos dizia a Química. Sou matéria, portanto, ocupo o espaço seja ele conquistado ou não.

Conquiste seus ideais!
Eu diria: Ora já os conquistei na medida em que os tenho.

A felicidade, lamentavelmente, tornou-se mercadoria vendida como água. Ora pois, se para ser feliz, aproveitar a vida, viver momentos intensos e mágicos, para os quais já existem modelos pré – definidos, milhares de possibilidades ofertadas: boates, festas, bares, shoppings, parques de diversão, zoológicos... Faz com que a “felicidade” seja alcançada somente através destes modelos, pelo menos para alguns (alguns que são numerosos).
Milhares de festas que vendem suas entradas, seus ingressos para a “felicidade” e diversão, mesmo para a liberdade, noção muita das vezes reduzida a tais aspectos, criando pessoas entorpecidas pela “felicidade” extrema, contorcendo-se de tanto rir, sempre a procura de entretenimento, sedentas de tudo quase que por obrigação, perdidas num mundo onde tudo é possível, quando no fundo sabemos, que não o é.
Vendem-nos “felicidade” num pacote colorido e vistoso, de “felicidades” possíveis, organizadas e previsíveis dentro de nosso alegre e empolgado sistema capitalista.

Mas, por favor, aqueles que me lerem, não pensem ser eu uma militante socialista ou comunista, pois definitivamente não o sou. E nem que eu não me divirta e seja “feliz” inserida nestes padrões padronizantes (me perdoem a redundância), pois afinal, também faço parte do empolgado e frenético sistema, o que não me impede de criticá-lo e de aspirar por algo muito além do que ele me oferece já que as possibilidades por ele ofertadas são em minha opinião insuficientes.

Não se preocupem com isso, preocupem-se em se sentirem bem, encaixados na política do bem – estar, pois acima de tudo devemos ser “felizes”, assim mesmo, nestes termos. Porque está tudo bem, somos nós quem fazemos o mundo girar, muitas vezes ao nosso redor.
Nascemos para ser feliz! E o resto vem como que por encomenda pelo correio expresso. Só deveríamos ter cuidado porque no pacote pode se esconder uma bomba relógio, ah e aqui o tempo não tem parada, está disparado, não adianta correr nem tentar alcançá-lo.

E mais uma vez se impõe o tempo, aquele que nos resta e que não devemos perder, porque estamos sempre muito apressados, quase atrasados, para nos divertir, nos realizar, nos entreter, fazer acontecer, para sermos não se sabe o que.

Mas não há com que o que se preocupar afinal isso aqui é só um desabafo, uma chatice. Aproveitem a viajem, pessoal! Aproveitem a viajem...

segunda-feira, outubro 06, 2008

Tristeza

Se cada coisa soubesse falar
E se a tristeza tivesse vida própria
Como se existisse fora daqueles que sabem reconhecê-la
Que sabem recebê-la
Quem sabe detê-la
Que sabem dizê-la
Quem sabe vivê-la
E quando nos parece invisível
Ou mesmo uma luz
Uma estrela no céu
Mais distante que o céu
Lá de cima a brilhar
No escuro a chorar
No escuro a calar
No escuro um alívio
Um ponto de fuga
Fixado no olhar
Só...
Somente ela e sua luz
A brilhar na imensidão
No silêncio
No vazio
Sem nada mais conhecer
Só...
Somente ela no topo
Aqui em baixo a nos dizer
Que está só
Veio pra ficar
Somente ela e sua luz
A brilhar na imensidão

quarta-feira, outubro 01, 2008

Na corrente deste jogo

Desapareço assim do nada
Reapareço assim como quem nada quer
Saio de fininho e me esquivo na multidão que me esbarra
Observo tudo de longe
Como se pudesse repousar no movimento do universo
Em silêncio a dançar sob o burburinho
Distante a evitar olhares indiscretos
Como se me pudesse esconder por trás de uma cortina invisível
Privando-me de alheia presença
Sem fazer-me notar, nada noto além de mim mesma
Envolta a estranhos íntimos e semelhantes
Impessoais e acelerados, personagens de si mesmos
Eu ponto fixo num sossego desbotado
Calado e sufocado assentado na plateia
É a estreia do espetáculo a cada dia em que me jogo na corrente deste jogo.

terça-feira, setembro 23, 2008

O filme

Dos olhos jorra um mar salgado
Se debatendo em convulsões chorosas
Anuviados pela dor alheia
Chovem cumplicidade
Fixos no horizonte azulado da tela da TV
Embebidos em dramaturgia cinematográfica
Histórias atuadas, por vezes, tão próximas de nossa história vivida
De nossa história de vida
De nossa história sofrida
De nossa história querida
No final para além dos créditos finais
Nos sobram grossas listras coloridas acompanhadas de um som em linha reta
Tuuuuuu.....
No final para além de nossos créditos totais
Nos resta um tênue fio de vida acompanhado de um som em linha reta
Tuuuuuu.....
E na extensão da imensidão pela última vez rolam os dados
O filme acaba, mas seu fim é só o começo....


domingo, setembro 14, 2008

Tripartida

Foi-se meu espírito a assoviar, levezinho a pairar pelo ar
E minh 'alma que pena! É penada, foi-me impossível seguir lhe à revoadas
Aos dois ambos livres, saltam tensões, alusões
Dos dois não sei qual sou mais eu menos eu
Detentos do corpo, pesado e selado
Sorrisos e choros só ele estampava
Já eu trilogia, tripé, tripartida
Se alma, se corpo, se espírito, não sei qual mais sou
Assim me levam me enlouquecem, me tiram a razão, o senso
Os três, como balas, traçam o espaço, perpassam o tempo
Em mim os guardo todos
De mim me guardam toda
Pois no fim de mim enfim, removerão- me os pensamentos, os princípios, a moral, a crença e a descrença, as questões, o prazer e a dor, a memória e o saber
De mim se alimentarão, até nada mais sobrar
A luz se apagará, os olhos se abrirão, uma porta irão ver, por trás da qual, avistarão uma fresta iluminada por uma senda anil no céu
A porta aos poucos se fechará e nas trevas travar-se-á o fim
Eterna condenação!
Essa força que me reduz a pó
Poderia acreditar que em cadeias sintomáticas retornarei como alguém por trás de um nome, de um rosto e de uma condição sempre com sofreguidão
Só não sei o que é pior, se é sumir na imensidão ou existir na pequenez.