quarta-feira, setembro 03, 2008

Dos dias aos dias

Dos dias incríveis que achei jamais fossem findar-se, à beleza da chuva que lhe lambia os ombros cobrindo-os de nódoas prateadas.
Aos dias terríveis em que o tempo parecia um infausto, à aflição de vê-lo partir, de conter-me parada, quando na verdade as pernas imploravam correr-lhe ao encontro.
Dos dias perfeitos em que o sol beijava-lhe a face e dos lábios entreabertos surgia um horizonte luminoso, enquanto permanecia sentado a se aquecer, se soubesse que em meu coração corre seu sangue e que meus sentimentos são tão seus quanto meus...
Aos dias intempestivos em que se ia correndo para alcançar o bonde que lhe parecia fugir, se soubesse que seus pés são meus pais e seus passos meus guias...
Dos dias maravilhosos em que nos sentávamos quietos e nossos olhos nem mesmo piscavam, se soubesse que somos ligados muito além da linhagem genética...
Aos dias malditos que de você me afastei, para uma localidade remota, se soubesse que de você herdei vida...
Dos dias repletos que com você dividi que com você me alegrei que com você gracejei.
Aos dias cinzentos que por você lamentei.
Dos dias jocosos que caminhei ao seu lado.
Aos dias sombrios que nem de longe te vi.
Dos dias aos dias que não sei definir, que não sei revelar, nem ao menos explicar se são seus ou se são meus.
Dos dias aos dias que de meus são só seus e de seus nada meus.



domingo, agosto 31, 2008

Estrelas

São 23h30min, estou em casa a me arrumar para a Festa. Roupas quaisquer, brincos quaisquer, sapatos quaisquer, mas maquiagem hoje não, o palhaço vai sem máscara.
Não pretendo impressionar, quero mesmo é me impressionar, com a festa, com os ritos e universos paralelos.
Quero mesmo é ouvir risada barulhenta, gargalhadas que ecoam e destoam do ambiente finesse. Todos olham, giram os olhos e cochicham aos ouvidos.
Quero mesmo é apreciar numa taça de aparências a balbúrdia do evento, beberico cada mundo do universo com a sede de um flâneur.
Giram luzes coloridas, giram luas fragmento, as estrelas pós- modernas circundando a multidão.
O som que nos envolve, nos embala na balada balizando as distinções.
O barulho, a batida, bane vazios entre sujeitos que se adjetivam aos sussurros ou aos berros aos ouvidos de quem quer...
Quero mesmo é mergulhar em realidades virtuais, em imagens prolongadas de raios refletidos, em sucessões de analogias que se impõe aos indivíduos.

terça-feira, agosto 26, 2008

Nós

Sentadas no chão, cúmplices ambivalentes, sussurramos segredos cruéis.
Tão pura e crua livre de mim.
Sua voz é suave e me encanta.
Seu perfume é jasmim, sua presença divina.
Ergue em brinde uma taça de vinho, quente, doce, suave, servil...
Meu rosto, nas sombras, se esconde do seu, manchado, borrado, pintado, culpado.
Devolvo-lhe o brinde num tubo de ensaio, gelado e amargo, abismo absinto.
Amável me afaga os cabelos, me deita no colo, compadece.
Meus gestos agrestes, implacável me esquivo.
Seus olhos tão dóceis procuram suporte, molhados, sinceros.
Minha língua afiada te injeta veneno, te expulsa pra longe, te quebra cristal.
Te empurro, te excluo, simplória, te amo.
Tão longe, estou perto, sou ferro, sou cal.
Tão perto está longe, é favo, é terra.
Te espero no eterno.
Num instante me espere.
Para sempre quadradas, redondamente enganadas.

domingo, agosto 24, 2008

Éder

Correu como um louco até o jardim, o canteiro de flores de cores mui vivas e odores mui fortes, contrastavam com o que se passava por dentro. Seria preciso intervir, sim, pois, ele precisava estender para fora a solidez que se pesava no interior.
O ímpeto lhe imputava gestos dramáticos afogados no caos. Arrancou todas elas, nas mãos suas cores amassadas, misturadas e os cheiros achatados, vexados.
Suplício! Não suportou a beleza, não naquele momento.
Suava e o cheiro era forte, chorava e o gosto era amargo.
A terra, foi só o que sobrou, nela deitou-se o cadáver, nela roçou a matéria e forrou-lhe de inércia.
Os dedos das mãos esticados, tais como dentes de arado, cravaram o solo e ali ficaram tal qual ferramenta desamparada de braço ceifeiro.
Os vermes roíam-lhe as unhas, expelindo excrementos da terra.
Despia-se de calor e conforto e os olhos mais nuvens que brilho, jorravam meias – verdades.
Da boca, fenda aberta, cavidade errática, escorria saliva espumosa.
Ahhhh Éder quão ébrio tu és, já intolerante diante do espelho, vai-se de encontro ao martelo opressor.
Ahhhh chegara ao cume, estava imune de paz patológica.
As moscas em ti voam leves no ouvido zumbindo asco e desprezo.
Estendido na terra, tormento de dor!
A moral decomposta exalava odor nauseabundo.
Sensações espasmódicas refreavam as emanações cerebrais.
Sua memória era como um fleche desagradável que lhe fazia fechar os olhos involuntariamente, desaparecia, se desvanecia.
Levantou-se enojado, fartado de si.


quinta-feira, agosto 21, 2008

O Rio de Sangue

Corre um rio, no jardim das profecias,
Um rio de águas turvas, nervosas, revoltas.
Um rio retesado, no limite, temperamental.
Veio extenuado, minguado.
Veia rasgada,
Lama escarpada,
Artéria exaurida,
Penetra verdes pradarias,
Goteja perene teu sangue à revelia.
Filo marginal.
Curso retrátil, caudaloso.
Líquido viscoso, venenoso.
Nocivo, repulsivo.
Um rio assombrado pelas almas,
Assoreado pelos corpos,
Assolado, desolado pela dor.
O rio se reflete, se sorve,
Regurgita desespero, ânsia.
Revolve o pesar, a tristeza, o desespero.
Ressentido de tuas águas, do teu plasma, do teu sumo.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Paciência

Rei no topo
Base do baralho
Dama no rei
Entreato do herdeiro
Valete na dama
Filho prodígio
Remate do trio
Em concílio real
Figuras fadadas
Provável projeto de jogadas futuras
Êxito esperado em pitadas de sorte e cartadas estratégicas.
O jogo, com tempo deslancha ou quem sabe se estagna.
Vitória prevista, impulso para uma outra vez.
Perda prostrada, ânimo para recomeçar.
O jogo é pra valer, desafio entre naipes.
Espadas se cruzam, paus em posição, copas prestes a agir, ouros no desfecho do golpe.
Cartas na mesa.
Reserva no canto à direita.
Tablado disposto.
Solto as cartas, me entrego ao jogo.
Nesta corrente, me embaralho me desmantelo me despedaço.
Coringa não entra. Não neste jogo. O bobo da corte está nulo em revés.
Paciência, paciência, distrai-me do medo, da angústia e da dor.
Porque o jogo não acaba nunca e não sou eu quem o joga, mas sim ele quem me joga.
Me move da esquerda para a direita, da direita para a esquerda,
De cima para baixo de baixo para cima,
Num vai e vem num zique – zaque,
Me substitui, me posiciona, me aproveita, me descarta.
Vitórias atrás de vitórias, derrotas atrás de derrotas e estou desgastada, como uma carta velha e apagada do baralho.
Mas isso o jogo não entende,
Não entende...

terça-feira, agosto 19, 2008

Sentidos

A sensação de caminhar dissimuladamente calma e lenta até você, fingindo-me madura e segura de mim é como uma dor delgada que termina em ponta aguda.
Num esforço excessivo ofereço um jeito assim meio displicente ao desejar-lhe bom dia.
Aparentemente equilibrada e de certa forma, desdenhosa.
Ah... Mas se me pudesse ver por dentro...
Uma voz suave que lhe fala aos ouvidos seus desejos mais secretos, assim como uma melodia suave soprando sensualidade no saxofone em tom apaixonado sem limites morais.
Como me sobe o sangue à cabeça, deslizando pelas veias, avançando acelerado, me esquentando todo o corpo.
Em disparada galopa o coração à medida que vencemos a distância entre nós.
Aflitiva respiração falta-me fôlego, mal sei se chego até você.
Inadmissível seu olhar a me despir da gélida couraça, quebrando-me em pedaços.
Fogo... Faz-me arder dos pés a cabeça, exceto pelo estomago que gela.
Quanto de ti me perpassa o pensamento da fração de segundos em que nossos olhares se cruzam e os corpos quase se tocam, sigo empurrada por força magnética, você por condução elétrica.
Se exalando em esfera estimulante, correm-me pulsões atômicas.
Seguem-se explosões nervosas
Sentidos latentes
Sintomas pungentes
Viagens lancinantes
Mescladas de prazer
Acompanhadas de volúpia
Mergulho impiedoso
Deixa o corpo à revelia
Ás transparências levianas
Ás delícias da libido
Aos desejos da lascívia
Abandonado ao teu comando
Quimera ilícita de domínio e rendição.