Tenho andado por aqui já não é de hoje
Sempre me trazem de volta e de volta a qualquer lugar... Ao mesmo lugar
Comprimo toda a extensão destes anos, dessa infinitude num pequeno invólucro
A partir daí a consciência segue a se esquecer, a tornar-se gradativamente medíocre e pequena
Apegada e presa, atada a valores e ilusões, venho mentindo estar tudo bem desde então
Tapo os olhos para não ver o horror, tenho medo, não posso abri-los e encarar meu próprio rosto
Temo as respostas às perguntas que faço, então me mantenho na superfície, adio a descida até as profundezas deste oceano desconhecido
Estou sempre ponderando se vou mesmo fundo na verdadeira natureza da consciência a mover este veículo carnal perdido em sua pequenez
Descobrir, buscar, aquilo que no fundo já sei, mas escondo para não perder o controle
No silêncio profundo desta consciência infinita um aviso emerge de tempos em tempos: Não há como escapar, nem se esconder, você sabe!
Este hospício de caminho sem volta, ruas sem saída não há nada senão o impossível, a impotência e a fraqueza, alienação, isolamento, uma torre de retenção para enfermos que dormem profundamente no pior dos pesadelos
Estou doente, entorpecida... Quero sair mas não consigo, estou morrendo.... há muito estou morrendo.
Não consigo me mover, é preciso calar tudo ao redor para que possa ouvir o pranto desesperado desta voz que chama, desta mão estendida, deste corpo que pede apoio, deste eu que se afoga numa fachada de afazeres e metas a cumprir, uma realidade pervertida e vazia.
Então sobe um suspiro que vem do íntimo e acredito estar tudo bem. Não está... Tudo não passa de um pesadelo.
Um dia acreditei em tudo que me diziam, aceitei tudo o que me afirmavam, concordei com tudo que me informavam, andei nos trilhos, na medida traçada do possível, me esforcei... Hoje já não é mais assim, não acredito mais no que me dizem, não aceito mais o que me afirmam, nem concordo mais com o que me informam, saí dos trilhos, invadi a medida traçada do possível, pisei na margem, por mais que eu queira não há como voltar a ser o que era, só posso fingir, disfarçar...
Involuntariamente permaneço a me questionar, a buscar as cordas acima do palco a mover esta encenação de títeres. Muitas das perguntas permanecem em segredo, nem todos entendem, então me calo, para que falem as vozes da razão, os donos da verdade, as certezas absolutas, as afirmativas assertivas, as colocações comprovadas, as autoridades inquestionáveis.
Por dentro permaneço a rir deste circo como um louco que esboça um sorriso escrachado no rosto, imagino então minha fotografia exposta no quadro da polícia entre os procurados, crime: Desvio de conduta. Fecham-se as cortinas.