segunda-feira, maio 17, 2010

Luzes de natal

Imagine, eu digo
E então fecho os olhos
E sinto que o ar que respiro é minha casa
Sinto as luzes se acenderem
As luzes que tanto esperei
Luzes de natal
Piscam no escuro
Se eu abrir os olhos
Não poderei evitar
O coração se desfazer
E perceber que sou toda emoção
Mais emoção que razão
Só assim posso viver
Porque tudo aqui é para se emocionar
Então não evito,
Acompanhar a dança das luzes
Não há lógica no que sinto
Nem ciência no que digo
Não há verdade no que vejo
Se eu quiser, a música irá tocar
E então será natal

terça-feira, maio 11, 2010

Última hora

Sou das coisas mal planejadas
Dos feitos de embora, de última hora
Do coração batendo à frente do tempo
Pressa infantil
Dos que não esperam
Saem batido as portas do tempo
Abrigados num relógio
Um coração tic - tac
Hoje é o prazo final
Hoje é o dia em que começa
E o dia em que termina
É próximo o último grão de areia
Que brinca se cai ou se não cai
Sobe desce, numa gangorra de angústia
Pende e toca o final, num chamado do tempo
Medida arbitrária da duração das coisas
Afinal tudo acontece, ao nascer e morrer do dia

domingo, maio 02, 2010

Insetos

Ao fim da tarde, quando o céu em brasas cede espaço ao marinho azul que se apaga às luzes estelares de vaga lumes distantes no infinito, vou-me até janela e o ar queima vapores sulforosos, CO2, tragos e urros de ônibus e carros.
Os bueiros, bocas imundas, arrotam insetos, hálito moderno da sujeira ordinária que aos poucos engole a cidade. Fecho a vidraça e de dentro vejo os insetos, pequenas cruzes do sacrifício humano, negros, brancos, amarelos, mistos, suspensos no ar, batendo compulsivamente suas cabeças na vidraça em busca de luz, em busca de sangue.
Um exército faminto de timbres, zunindo numa só frequência, do instinto, da sede, da fome. Milhares deles intentam invadir minha torre, meu observatório terrestre. Rufam os tambores a espreita de minha fraqueza, vontade minha de seguir para além do olhar inocente, deliberado a agir, envenenar-se de toda peçonha que à minha porta bate.

quinta-feira, abril 15, 2010

Compromisso

Eu tinha um compromisso marcado
Com hora e data indicados
Era uma obrigação a realizar
Um dever a cumprir
A força invisível que me impingia a necessidade de ir, me esfriou
A motivação se esvaiu no ter de ir do compromisso sem graça
Meu rosto no espelho ao se preparar para mais um “eu estou aqui” se desbotou
O sorriso afrouxou, os ombros penderam e se curvaram de modo que as roupas não lhe caíam bem
Os joelhos tortos ficaram bobos como os de um tolo
Os braços se deixaram cair da cintura rumo as pernas, pilastras imóveis
A força, a paixão, fugiram num riso mofado
Na hora a vontade escapou, apesar do combinado
Então decidi que não ia
E aqueles que lá não me vissem, que se contentassem a me criticar os maus modos.

sexta-feira, abril 09, 2010

Monólogos

Pois que me gosto de dizer
Palestrar, monologar
Ao espelho quase nada relato
Pois sei que naquele rosto
Repleto de várias expressões
Que não aquelas do dia a dia
Do tratamento alheio
E bem dizer
Reflete um sorriso secreto
Careta mal criada
Um espanto
Um concorde
Uma tristeza distante
Uma angústia vibrante
Quantas surpresas hão na haste destas sobrancelhas,
Conquistas e perdas no canto destes olhos, fundos, negros pântanos
Quanto tempo, finas linhas a sulcar,
Fendas por onde correm lágrimas de dor e júbilo
Tão caras e raras
Tantas são as caras, máscaras, almas
Disto, daquilo
Enxergar um só reflexo seria-me um sacrifício
Dessa minha sina de rostos em catarata

segunda-feira, abril 05, 2010

Hoje

Hoje estou pacífica
Hoje eu aceito
Hoje eu entrego

Não resisto, nem me oponho
Pelo fluxo de indução que atravessa
O céu de hoje que despenca sobre minha cabeça

Hoje brilha uma lanterna silente, paciente
Um abraço de paz
Rara harmonia do dia e do tempo

segunda-feira, março 29, 2010

Quando em vez

Um sono absoluto vem de quando em vez
Me chamar, me pedir,
Para soltar,
Deixar cair,
Na claridade do amanhecer
Dos cabelos que soprados
Se arrastam pelo meu rosto
Me impedem as mãos de buscar amparo
Meus olhos perdidos, eternamente, brevemente
Os pensamentos ... Que paraíso sonhar
Deixar ser a vida, aquela que circula nos pulsos
No coração sangue que comprime, exprime
Dos olhos lágrimas, sem dor, sem mais
Sutil e sensível, a mais bela parte do dia
Daqueles, desses dias, despidos de artifícios
Em que o corpo consente em existir
Assim como qualquer outro ser