sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Gosto amargo da vida

No breu do porto pousa uma rapariga
Feito mariposa a baixo da luz do píer
Atenta ao sibilo dos sinos
Zunido que jaz no cais

Na orquestra de animais noturnos
Dança o brilho distante dos vaga-lumes
Faróis remotos, supostas estrelas

Uma ventania fria
Sacia o vazio
Acompanha a fuga de uma alma aflita

Lume frouxo, desfalecido
Guia aos navegantes
Nau sem dono à deriva

Vêm de encontro ondas oceânicas
A lamber o píer numa solapada salgada
Fervelhe a boca feito sal de fruta

Recua engolindo limo
Consciência imunda
Gosto amargo da vida

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Concentra-te

Concentra-te apenas no ato de beber um copo de água, seu frescor, seu sabor, deslizando garganta abaixo até o estomago, a calma de um só movimento e num instante o mundo parece parar até que se sorva a última gota d’água a saciar a sede que se mescla a um tempo pacífico e segue esmorecendo a angústia do desejo.


quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Chove

Chove! Chove sem parar acima da terra a se escorrer
Não vejo chover, ouço apenas rumores de sua constância
Sons pausados, alardeados na boca dos outros

Sob a montanha repousa um amigo
Sobre ela brota um cravo, ainda um talo
Sob a chuva que insiste engolir lhe a vida

Sopra uma nuvem embebida em carvão
Esmorece o pranto celeste
Num levante da estrela em chamas

Da terra escorre o labor
O suor dessa dor
Um pudor

Descansa o ardor
O fervor, o calor
Floresce o frescor ao sabor dos sonhos de um amor

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Não há nada

Não há estrofes nestas poesias
Não há métrica nesta minha vida
Não há conto neste meu dilema
Não há drama nesta minha paixão
Não há gênero, nem estilo
Não há lira, nem lirismo
Neste mar de sabe nada
Não há truque nem retoque
Não há nada neste fado
É um ruído, uma voz
Um tom e um som
No embalo desse timbre.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Recharger

Deita-se o mormaço por sobre o asfalto da cidade
Um som abafado de guitarra permeia a noite
Emitido de um pub barato, cheira a pinga de esquina
Num solo ecoa pelo silêncio dramático da escuridão
Invocando a solidão dos becos, dos desamparos
Bafejam gazes venenosos dos bueiros, expelindo insetos, injurias
Ateando fogo nos corpos à mercê do cenário de horrores
Partículas ardentes que soltam de si as matérias em combustão
Morada dos justos, estilo hodierno, corpos revestidos de crómio, corações de uretano à prova de quedas, riscos e solavancos. À prova de vida, condições desumanas.
Suas almas rechargers perecíveis, suscetíveis à esteira do tempo, condenadas, obsoletas
Delas sopra uma trilha, sonora emoção, lenda, paixão humana a resistir em meio a artifícios, fogos forjados, desejos moldados, num rio metálico, pesado, vergado, compadre nocivo
Um suspiro afoga a todos nós, um chamado, uma cura, um destino implacável, sê forte, sê duro.
Pois haveremos de ser, padecer e perecer.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Passando

Não se assuste assim
Não se apresse assim
Não se desespere assim
Assim tudo passa tão depressa
Assim tudo é passado
Vá com calma
Um passo de cada vez
Os passos vão passando
Passeando e se tornando passado
Eu digo e o que digo se passou
Tudo vai passando e passado virando
O passado vai crescendo e passando
As saudades vão crescendo e ficando
Tente não se preocupar, nos veremos adiante
Leve apenas o que precisar e nos veremos um dia
Deixe passar, para seguir em frente e passar adiante
Lembre-se, pois isso irá passar e então seremos lembranças
Seremos lembrados, seremos passado, seremos saudades
Seremos eternos, seremos o perfume da noite, o arrepio febril, a nudez das árvores, a brisa do mar, o calor do verão
As gerações que se passaram e deram lugar àquelas que irão passar
Estaremos em todo lugar, assim como o passado que carregamos e que nos vai levando do presente para o futuro, numa locomotiva a viajar, num balão a voar
Um olá vem trazer e um adeus vem deixar, para mais uma história continuar.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Sonho

Sonhei que era noite e que a chuva ameaçava cair, então pensei em correr até lá fora para ver a água cair.
Estava tudo tão quieto, apenas o barulho do vento que trazia a chuva e na escuridão as luzes da calçada dançavam sozinhas isoladas cada qual num círculo apartado.
Lembrei-me de que no passado as copas das árvores cegavam as luzes dos postes. No sonho, passado e imaginação se mesclavam e criavam um cenário perfeito como sempre sonhei que seria minha casa, meu lar, meu lugar, mas é apenas um sonho, o meu lugar é apenas um sonho.
Nele as coisas flutuam leves no ar e num salto vou de um pavimento ao outro, nele o tempo inexiste e é noite ou dia, basta querer. Subi até o topo da imaginação e chamei: Pingooooooooo
Do outro lado, quem era aquele que olhava assustado?
De cá, quem era a moça que chamava no escuro?
No sonho posso ver quem quer que seja, nem que seja para dizer adeus.
Chamavam-me ao telefone, mas não havia ninguém do outro lado da linha, era apenas uma expectativa de que algo estava prestes a acontecer, quem sabe um convite para viajar, um olá, um adeus, um matar de saudades, daquelas que só um abraço pode resolver.
Se chamarem por mim estarei lá, basta querer, é um sonho, é tudo um sonho e estou lá.