quarta-feira, agosto 20, 2008

Paciência

Rei no topo
Base do baralho
Dama no rei
Entreato do herdeiro
Valete na dama
Filho prodígio
Remate do trio
Em concílio real
Figuras fadadas
Provável projeto de jogadas futuras
Êxito esperado em pitadas de sorte e cartadas estratégicas.
O jogo, com tempo deslancha ou quem sabe se estagna.
Vitória prevista, impulso para uma outra vez.
Perda prostrada, ânimo para recomeçar.
O jogo é pra valer, desafio entre naipes.
Espadas se cruzam, paus em posição, copas prestes a agir, ouros no desfecho do golpe.
Cartas na mesa.
Reserva no canto à direita.
Tablado disposto.
Solto as cartas, me entrego ao jogo.
Nesta corrente, me embaralho me desmantelo me despedaço.
Coringa não entra. Não neste jogo. O bobo da corte está nulo em revés.
Paciência, paciência, distrai-me do medo, da angústia e da dor.
Porque o jogo não acaba nunca e não sou eu quem o joga, mas sim ele quem me joga.
Me move da esquerda para a direita, da direita para a esquerda,
De cima para baixo de baixo para cima,
Num vai e vem num zique – zaque,
Me substitui, me posiciona, me aproveita, me descarta.
Vitórias atrás de vitórias, derrotas atrás de derrotas e estou desgastada, como uma carta velha e apagada do baralho.
Mas isso o jogo não entende,
Não entende...

terça-feira, agosto 19, 2008

Sentidos

A sensação de caminhar dissimuladamente calma e lenta até você, fingindo-me madura e segura de mim é como uma dor delgada que termina em ponta aguda.
Num esforço excessivo ofereço um jeito assim meio displicente ao desejar-lhe bom dia.
Aparentemente equilibrada e de certa forma, desdenhosa.
Ah... Mas se me pudesse ver por dentro...
Uma voz suave que lhe fala aos ouvidos seus desejos mais secretos, assim como uma melodia suave soprando sensualidade no saxofone em tom apaixonado sem limites morais.
Como me sobe o sangue à cabeça, deslizando pelas veias, avançando acelerado, me esquentando todo o corpo.
Em disparada galopa o coração à medida que vencemos a distância entre nós.
Aflitiva respiração falta-me fôlego, mal sei se chego até você.
Inadmissível seu olhar a me despir da gélida couraça, quebrando-me em pedaços.
Fogo... Faz-me arder dos pés a cabeça, exceto pelo estomago que gela.
Quanto de ti me perpassa o pensamento da fração de segundos em que nossos olhares se cruzam e os corpos quase se tocam, sigo empurrada por força magnética, você por condução elétrica.
Se exalando em esfera estimulante, correm-me pulsões atômicas.
Seguem-se explosões nervosas
Sentidos latentes
Sintomas pungentes
Viagens lancinantes
Mescladas de prazer
Acompanhadas de volúpia
Mergulho impiedoso
Deixa o corpo à revelia
Ás transparências levianas
Ás delícias da libido
Aos desejos da lascívia
Abandonado ao teu comando
Quimera ilícita de domínio e rendição.

segunda-feira, agosto 18, 2008

A dama do sono

Amado menino, ente querido,
Deite-se logo, venha dormir,
Feche seus olhos e venha comigo,
Durma bem, durma em paz,
Que a nuvem do sono o traga para mim,
Venha me siga,
Aproxime-se mais,
O portão esta aberto! Que estais a esperar?
A noite te espera,
O bosque tão calmo, o convida a entrar,
Seus passos vacilam não temas meu anjo,
Entre e desvende,
Se embrenhe nos matos,
Beba da fonte, que fresca o presenteia,
Alimente-se dos frutos, que doces se oferecem,
Deixe que as árvores o acolham,
Toque suas raízes e deixe que o envolva,
Abrace seu tronco e deixe que o enlace,
Agarre seus galhos e deixe que o levante,
Aspire o perfume de suas flores e deixe que o envolva,
Se entregue, se perca, não procure voltar.
Puro e inocente me encanta o olhar,
Acompanhe incessante o assovio que o chama,
Ouça menino,
A natureza dos prados,
Harmoniosa música,
Toca,
Pio de coruja
Coaxo de sapo
Canto da Cigarra e do grilo, em orquestra florestal.
Lua cheia, luz difusa.
Dançam prateados, cintilantes reflexos,
Melódico vento remove ramarias,
Menino se apresse,
O chamam a frente,
Vacilantes os passos deslizavam sobre a lama.
- Que queres? – Pergunta o pobre menino.
Tremulam-se as vestes do impaciente garoto.
- Corra, se esconda! – Dizia o soldado.
Ávido se esgueira por entre os arbustos.
O infante correu, mas logo cessou.
A sua frente revelara-se um rio. Cercado, não havia saída.
Sentou-se o garoto a margem do rio, o soldado a espreita hesitou.
- Ó que fazes aqui, tão belo garoto? – inquiriu o soldado.
- Estou a procura da dama do sono. – responde o menino.
- Ó não! Deixe disso! Volte para casa, a dama do sono a muito se foi.
- Não posso, pois no sonho viajei e não sei como voltar.
- Deves se esconder o quanto antes. Tu corres perigo!
- Que perigo?
- Tolo garoto, não sabe onde esta?
- No reino do sono, por deus, estas a me assustar. Afinal quem és tu?
- Sou alma errante, em eterna condenação!
- Como vieste para cá?
- Era eu um soldado em combate na guerra, muitos matei, decepei, lacerei. Meu corpo doía, minha alma rasgava, me rendi ao cansaço e deitei-me na relva, fechei os meus olhos e nunca mais os abri, afoguei-me na culpa e cá estou a pagar sentença.
- Pobre soldado, como sofre seu coração! Diga-me a saída, preciso voltar!
- Garoto tu deves tentar acordar, preciso-me ir, meu tempo se vai!
- Aonde vais?
- Afogar-me de novo em minha sentença, nas águas do rio devo me afundar.
- Não vá! Tenho medo, fiques comigo.
- Se eu fico o rio transborda e engole a nós dois, menino de tão bela alma não merece tal fim.
Foi o soldado, ficou o garoto.
- Ó meu anjo não ouça atormentada alma, os condenados nada sabem, estão presos a revoltas, vergonhas e tumultos. Vejo que encontrastes algo muito precioso, e ao mesmo tempo perigoso, este rio a sua frente é a chave do meu reino.
O garoto em confusão se deitou a sua margem, olhando para o sentido em que corriam as águas tintas de vermelho.
Estendeu a mão para dele beber , tal não fosse o susto que tomou o menino ao perceber que o rio era de sangue.
Rio que se esconde no jardim das profecias, quando a lua está cheia, as almas, se lhe escapam.
Águas sangrentas e pulsantes transbordam em lamúrias, arrastando de volta almas em penúria.
- Rio, virulento e turbulento! Dominou-me suas águas! Maculou-me com teu sangue.
Serpente líquida lambe-me o corpo, cujo veneno sucumbe em minhas veias.
Ó menino, meu anjo sagrado, não deves provar de sua peçonha, nem ao menos cair em tal perversão. Acorde garoto é hora de brincar, a dama se foi, sua inocência deixou, o sonho acabou.


segunda-feira, agosto 11, 2008

A Noite

Pesadelos
Suores
Repentes
Suspiros
Cama em chamas
Angustias rolam pelos lençóis arrancando-os do colchão
Maculam o sono sagrado, à espreita do amanhecer.
Corpo ondulante, inquieto,
Pesado, calado
Sussurra, se engasga.

Ríspido frio, arrepios na espinha.
Ondas de calor, jorros nos poros.

Sede
Boca
Seca

Olhos entreabertos
Luz fraca a brilhar distante na parede branca
Sombras na janela
É preciso ir...
Brilha cada vez mais e chama: Venha... Venha até aqui...
Sombras bruxuleantes dançam madrugada adentro
No coração o desejo de ceder ao gozo momentâneo

De pé lutando contra si ergue-se o corpo cansado,
Se aquece aos primeiros movimentos
Passos incertos permeiam o chão preto como piche, se esbarram.
Mãos que tateiam o espaço em branco, nada tocam.
O amarelo lúgubre cada vez mais próximo dos olhos faz crescer as pupilas.
As sombras se arrastam agarradas aos pés da carcaça dormente e invadem lhe por completo assim que se acende o interruptor.

O espelho reflete fumaça,
Restos,
Relevo cinzento,
Mas os olhos destacam,
Gatunos
Noturnos
Mortais...


sábado, agosto 09, 2008

Harmonia

Fico às vezes a observar quão belo podem ser os fios de alta tensão, tanto que diante deles fico tensa.
A magnífica grandeza das passarelas por sobre as avenidas, torna-me tão pequena que chego a me sentir segura.
Enche-me os olhos a maravilha das estações subterrâneas do metrô, cujo ruído sonoro do metal junto aos trilhos é verdadeiro deleite aos meus ouvidos.
A formosura das chaminés fabris deixa-me febril.
Que maravilha ver funcionar as engrenagens do elevador, repletas de rodas dentadas ligadas a um eixo rotativo, são quase que meu eixo central.
Há uma arte sincrônica nos sinaleiros das ruas, me incentivando a seguir sempre adiante.
Como me apraz tocar os botões dos caixas do banco e ter em minhas mãos o dinheiro da conta.
Que beleza ver brilhar os letreiros luminosos que refletem um universo de cores em meus olhos.
É incrível o conforto das escadas rolantes, que rolam, rolam e rolam incessantemente enrolando meu dia.
Que inveja tenho dos encanamentos de água, das tubulações de gás, das fiações elétricas, das estruturas de ferro, da argamassa das construções, no auge de sua concretude, todos “eles” repletos de um fim em si, diferentes de mim que não sei que fim tenho.
O homem pôs o maquinário a funcionar em perfeita harmonia. Harmonia na qual ele mesmo não é capaz de funcionar.
Mas enfim, harmonia coeva, duradoura ilusão.
Arsenal moderno, um milagre do homem!
Mas e o homem? Milagre de quem?
Nada além dele mesmo e de seu maquinário.


terça-feira, agosto 05, 2008

Sucesso

Tá ai uma coisa que todos esperam.
Fazem filas e por ele esperam a vida toda, em tudo que fazem. Como se fosse um ponto final, um resultado feliz.
Em geral, sucesso se define numa promoção, seja ela amorosa, financeira, profissional ou espiritual, resultante de uma grande batalha, esforço, dedicação, estudo, perseverança, trabalho ardoroso, dentre outras coisas do gênero.
Apesar dos sacrifícios que se faz, dizem valer a pena.
O sucesso foi alojado no topo da montanha mais íngreme da cordilheira, poucos conseguem escalar até o fim.
O fim é mesmo a palavra mais adequada, pois o sucesso nada mais é que o desfecho de uma história.
Todos têm, mais ou menos, uns mais outros menos, idéia do sucesso que pretendem atingir.
Sucesso: ascensão, algo de que se possa orgulhar. Olhos alheios se voltam com admiração.
Imagem só, nós, ou melhor, você no topo da montanha, petrificado de alegria e satisfação; ali crava bandeiras vitoriosas e dá cabo a mais uma história, dentre tantas outras, no livro dos bons.
O negócio é o seguinte: arranje um objetivo X, apaixone-se por ele e que este seja fonte de desejos, vontades.
Sonhe com ele, lute por ele, viva por ele, se empenhe por ele, se sacrifique por ele, se arrisque por ele.
Vá! Siga adiante, dê fim a angustia que o consome. Esta não se repete, não é a mesma, nem para você nem para mim, então não me venha dizer o segredo do sucesso, pois o seu não é como o meu!
Desejo mesmo, mais do que ter sucesso, querer tê-lo assim como o concebem.
O sucesso, aquele de que todos falam, deve ser mesmo glamuroso, do contrário a fila não seria crescente para nele embarcarem.
Quando o vivo em meus sonhos sou tudo que sempre quis ser. Mas e agora? O que sou além de sonhos em querer ser?
E você, sabe o que quer ser?
Como pode saber o que quer ser se nem ao menos sabe o que é agora?
E então, sabe mesmo o que quer ser?
Será que o que é agora não conta?
Querer ser; querer fazer; querer se tornar...
E se não quisesse nada além do que é agora?
Sem a carreira brilhante com a qual sonha você não é nada?
Sem o salário incrível que irá receber, não será nada?
E ser o que é agora, neste exato momento, não é incrível?
Ou será que é muito pouco, para o muito que sonha ser?
Lute agora, para ser no futuro.
É só isso?
Só não se esqueça que o agora contém tudo o que importa ou que deveria importar: você.
Por trás de todo sucesso, de suas conquistas e de seu teatro mundo a fora, existe você, nós...
Você não é o sucesso que quer conquistar. Ou é?
As conquistas estão sempre lá fora é por isso que não detemos o que está aqui dentro.
E quando sentimos que não há nada lá fora que já não esteja aqui dentro nós?
Porque buscar lá fora o que já está aqui?
A forma como enxergamos se dá através do prisma de nossa visão ou ponto de vista que nos reflete no mundo nem sempre da forma como imaginávamos.
Poderíamos abrir as portas para tudo o que quisermos, aqui mesmo.
Não que tenhamos que nos estagnar, mas sim nos voltarmos para algo maior, quem sabe para nós, que nos envolvemos e circundamos o mundo exterior.
Só não é tão fácil como procurar lá fora, porque aqui dentro, por vezes, pode estar uma bagunça, que mais cedo ou mais tarde terá de ser ajeitada ou simplesmente deixada de lado.

O que faço não é o que sou, porque o que sou não pode ser feito.

Sucesso: siga o modelo, suba as escadas e seja feliz!

quinta-feira, julho 17, 2008

Semente

Que tola pretensão a minha achar que poderia ajudar aqueles que não querem ajuda...

Mundo tirano! Não, o mundo não é tirano, o problema são as pessoas, que podem fazer um mal danado a si mesmas, aos outros e ao mundo.

Acreditei como uma imbecil, que envergada de palavras e ideias, poderia mudar o mundo; minha ambição nem chegou a tanto, me bastava uma única pessoa, que não se trata de uma pessoa qualquer, e sim aquela que para mim é única.

Em determinados momentos, no calor da palavra, interrompidas pelo soluço do choro, quase implorei para fizessem efeito.
Pedia, mesmo no fundo sabendo não ser o suficiente, que não apenas me ouvisse, mas que ao menos pensasse a respeito.
Pedia para que, por favor, entendesse o que estava a dizer e uma vez mais, por favor, pense no que estou dizendo. Sei que por vezes pensa, mas acho que o que sempre prevalece é a vontade de permanecer imóvel, assim é mais cômodo.

Num primeiro momento veio o êxtase e a satisfação em poder ajudar, pois acreditei ter plantado uma semente e que seria apenas questão de tempo para que a semente se abrisse e gerasse um pequeno broto que fixaria suas raízes na terra e que, no futuro, se transformaria em uma verdadeira árvore.
Várias vezes sonhei com o dia em que me deitaria à sombra dessa árvore, mas a semente não cresceu, por mais que eu regasse, não brotou, então um dia percebi que não me cabe e nunca me coube a tarefa de fazê-la brotar.

Trata-se de uma vida e não posso decidir por uma que não a minha.
Mas nada me impede de plantar a semente, a partir daí não sou eu quem deve alimentá-la, pois ela irá alimentar-se de si mesma e este momento é o mais doloroso porque nunca deixei de acreditar.

A palavra final não é minha, nem mesmo a decisão. A força motriz não sou eu e sim você, o que não faz com que esteja só.
Dê as cartas, faça sua aposta, só não aposte com os meus sentimentos.

No fim, a sensação de impotência é tão grande, me faz tão pequena diante das coisas, não tenho nada, nem mesmo o chão.

Pudera eu não ter plantado, mas plantei, arei o solo e reguei a pequena semente, só não imaginei que a semente seria tão frágil a ponto de não revelar o menor verde que fosse.
Talvez frágil seja você ou quem sabe eu, somos menores que um núcleo de átomo.

O som de minhas palavras se propagou em um imenso vazio e não refletiu em lugar algum.

Dentro de mim sentia-me carregar uma galáxia de microrganismos, células e milhares de partículas banhadas em alguma utilidade maior.
Mas hoje, justamente hoje, sinto-me carregar nas costas uma galáxia de estrelas sem que se possa achar a menor utilidade. Nem sei se é mesmo preciso ser útil, parece até uma obrigação, um pré–requisito para existir.

Alguns creem sacodir o mundo proclamando suas ideias, já outros creem não mover um único grão de areia, mas isso depende de em que você acredita ou deixa de acreditar.
Seria mais fácil mudar o mundo do que a si mesmo ou quem sabe só se possa mudar o mundo mudando a si mesmo, como uma corrente que segue a contagiar todos ao redor.

Não tenho certeza, mas quem tem? Creio que muitos, talvez seja esse o problema ou talvez não...