sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Partícula

O canto de um pássaro num fim de tarde, conversas isoladas num canto.
Fotos congelando imagens em paralelo a uma memória esquiva, sem provas convincentes.
Um perfume que exala lembrança, vestígios não investigados.
Rumores, murmúrios, sons disformes flutuam no espaço e desaparecem como transeuntes no horizonte enevoado.
Não há nitidez a não ser pelas moléculas de água que contra a luminosidade existente, apresentam um formato supostamente arredondado.
Água: forma manipulável e volume fixo, fria, quente, morna contrapondo-se a prateleira de livros, duros, sólidos, maciços.
A partícula d’ água pousa sobre o livro provocando uma verdadeira revolução, vindo a evaporar.
O livro permanece o mesmo, intacto exceto por uma minúscula mancha em sua página.
O que pensava eu exatamente quando a vi pousar?
E os demais, que pensavam?
Quem mais além de mim a viu?
Seria sensato pousar meus pensamentos sobre as páginas de um livro como gotículas d’água que se precipitam causando uma tempestade a borrar as palavras impressas?
Minhas linhas junto de seus parágrafos se tornariam um só borrão de tinta sobre a superfície amarelada de uma folha de papel.
Amarelada, apagada, sem a melodia das folhas do outono, sem a riqueza dos raios de sol.
Pés que se arrastam abaixo da cúpula virtual, aspiram pelo ruído quebrado das folhas secas do chão outonal, assim como o sangue concentrado nas veias se projeta diluído em crepúsculo no céu.
Aqui e acolá permeio, atravesso, me exponho me fecho e restrinjo cingindo os sentidos a tona.

sábado, dezembro 22, 2007

Medo

Tenho medo.
Medo de mim e de todos os outros.
Medo de olhar e ver.
Medo de descobrir tudo que existe por trás deste rosto.
Medo de que esta expressão não exista.
Medo de que as lágrimas que rolam sejam ilusões.
Medo da angústia que corre dentro destes olhos.
Medo de assistir às provas entranhadas na superfície desta íris esverdeada e brilhante.
Medo de escutar esta voz.
Medo de ouvir o que tem a dizer para o reflexo no espelho.
Medo de perder o chão.
Medo de descobrir sobre esta natureza.
Medo dos crimes cometidos involuntariamente, deliberadamente cientes de si mesmos.
Medo dos resultados e diagnósticos.
Medo da escuridão que se perpetua.
Medo das falhas, erros, tentativas e posteriores acertos que acertam contas no futuro.
Medo das dívidas contraídas.
Medo das contribuições e transgressões.
Medo da conformidade, da realidade.
Medo da dor e da sujeira.
Meda da esfera de ação alcançada.
Medo do descontrole.
Medo do despotismo.
Medo da liberdade.
Medo de que tudo se desvaneça e desintegre as convicções e credenciais.
Medo da plenitude desconhecida.
Medo da incapacidade de admitir o medo.
Medo do medo.
Medo de viver com medo.
Medo de perder o medo.

quinta-feira, maio 24, 2007

Preocupações preocupantes

Preocupo-me quando comigo preocupam-se, porque assim em mim se exaltam preocupações preocupantes e me preocupo muito mais!
Não há portanto, com o que se preocupar, pois estou em perfeito estado mental, espiritual, intelectual.
Físico, corpóreo, material, natural, neural, emocional.
Cardíaco, maníaco.
Caduco, aluado, esquisito.
Excêntrico, lunático, paranóico.
Demente, decente, impaciente, paciente.
Exaltado, tresloucado, desarmado, apiado.
Desmanchado, manchado, rebocado, estilhaçado.
Abatido, arrebentado, arruinado.
Esfacelado, despedaçado, desalentado, arrochado.
Falido, fatigado, fendido.
Quebrantado e permutado.
Por fim preocupado.

quinta-feira, abril 19, 2007

Espaços vazios, linhas em branco.

Me definam, em algumas linhas do espaço em branco ou em todas elas, não ultrapasse a margem.
Me definam da forma que quiserem definir, sejam suas ideias e opiniões claras ou não, sejam elas baseadas ou não na realidade dos fatos.
Aqui a realidade não sou eu e sim vocês, portanto definam nas linhas vazias do espaço em branco o que sou, baseado em suas impressões e no que acreditam.
Definam se sou boa ou má,
Definam se sou tudo ou nada,
Definam se estou apta ou não,
Definam se amo ou não,
Definam se sou luz ou trevas,
Definam livremente através de um olhar que seja,
Definam, por favor, o que não sou capaz de definir,
Definam bem ou mal, afinal são vocês e não eu,
Definam no espaço em branco e nas linhas vazias, porém não ultrapassem as margens...
Nos espaços em branco e nas linhas vazias, vocês podem me definir, podem me desenhar, me escrever, me editar, me construir, me destruir, me reconstruir, me apagar, me colorir...
Onde não há nada todos podem tudo...
Preencham os espaços e as linhas vazias como quiserem.


quarta-feira, março 28, 2007

Liberdade

Porque esse ciclo?
Você começa e começa muito bem, no papel de uma criança que absorve os ensinamentos que lhe são passados a respeito do mundo e como uma descobridora deste mundo cria seu próprio mundo em meio a brincadeiras.
Daí os pais e as pessoas ao seu redor começam a te influenciar involuntariamente com suas opiniões, crendices e com seus medos, a partir deste momento algo já lhe é roubado, mas não é algo que se possa perceber no momento em que acontece, porque as coisas acontecem com tanta naturalidade, a final sempre foi assim...
É natural lhe roubarem uma parcela de sua liberdade, posto que você sendo uma criança, não possui ainda uma estrutura de caráter formada, portanto não sabe discernir o certo do errado, o bem do mal e assim por diante. Então é necessário que lhe roubem este bem, posto que você não está ainda em condições de decidir por si próprio.
Quem decide o que você não pode decidir, são os que por lei, podem decidir (faz sentido?).
A primeira fase da perca vem repleta de dor momentânea, ou seja, a "birra" que uma criança faz quando seus desejos não são realizados, a dor da liberdade que lhe foi tirada no momento é intensa porque a criança não entende ainda o porque de não poder realizar seus desejos no momento em que sente vontade.
Daí ela passa ao longo dos anos um lento e doloroso processo de perca gradual de sua liberdade, até que se torne madura o suficiênte para entender que a liberdade tem limites e que esses limites devem ser respeitados para que não aja uma punição.
A punição existe para aqueles que não são e não foram capazes de conter suas vontades visando realiza-las a qualquer custo, mesmo que seja preciso passar por cima de uma série de leis e conceitos.
E se todos fossem livres sem regras a seguir? Não isso não poderia ser!
Porque as pessoas são dotadas de naturezas diferentes e sendo assim, quem garante a ordem? Poderia-se questionar o porque da ordem.
A ordem existe por uma necessidade e essa necessidade surgiu de pessoas que tiveram "seu espaço" roubado, essa noção de espaço nem sequer existia, pois as noções surgiram depois, mas havia com certeza o desconforto, algo que não se poderia explicar exatamente e esse desconforto gerava uma necessidade e a necessidade gerou um acordo geral entre os membros de um grupo que se entendiam sobre o efeito do maldito desconforto.
Não se chega a um acordo, não se toma uma decisão ao menos em grupo, assim de forma tão simples até porque como disse as pessoas tem naturezas diferentes, portanto necessidades diferentes, mas através da discussão pode-se chegar a um consenso.
A discussão, a reunião como concebemos hoje não é nem de perto as mesmas de quando as necessidades gerais começaram.
O fato então são as diferenças, desde as mais insignificantes às mais discrepantes, muitas vezes dizemos que o povo é uma massa guiada pelos seus respectivos líderes e que essa massa é totalmente influenciável, pois não possui uma opinião formada e daí uma série de outras carências intelectuais que lhes foram ou não impostas. Mas essa massa não pode ser apenas uma massa única e homegênea, pois dentro dela existe uma série de diferenças e diferenças essas que em suas respectivas realidades são muito grandes.
Um observador distante da realidade que analisa, pode considerar as diferenças como insignificantes, quando na verdade não são, pelo menos não a realidade em que estão subscritos o grupo em questão.
As massas formam ciclos, mas a massa não é um só pensamento, a massa não almeja sempre as mesmas coisas, a massa somos nós, ela é todo e qualquer um. A massa não se distingue, mas nós nos distinguimos e os outros também.
O ciclo se iniciou, não se sabe bem onde e nem quando exatamente. O ciclo de contenção dos desejos, de contenção das vontades, de aspiração para um futuro melhor. O ciclo do sonhar para suportar a realidade, para carregar o mundo que se sobrepõe ao que somos ou ao que gostaríamos de ser, o ciclo da natureza e condição humana.
Acompanhada do ciclo, vem a realidade que dele não se desprende, a realidade é determinada pelo próprio ciclo, mas não só por ele, antes de mais nada é determinada pelas pessoas.
Como pano de fundo temos o tempo que circunda o ciclo e a realidade, mas o tempo foi só uma criação das pessoas assim como a realidade e como se não bastasse temos o espaço em que nos situamos, sem isso estamos perdidos, é o fim ou o começo não sei dizer... Nem sei se somos porque o que nos define é um emaranhado complexo proposto pelo ciclo vicioso, selado pelo tempo e espaço.
Então situados no espaço vagamos por uma série de lugares, em alguns acredita-se que podemos encontrar a paz, a felicidade e em outros já nem tanto, mas o problema é que os lugares são sempre impositivos, tentam sempre nos moldar com o tempo como se fossemos traços em um quadro, os lugares são cruéis com a alma e eles fazem isso a troco de que?
No começo somos livres forasteiros, mas com o tempo você precisa se encaixar como uma peça no quebrar cabeça, para que a imagem não seja danificada.
Você como personagem da cena representada no ambiente em que está, é colocado em seu lugar para que tudo esteja nos conformes e a cena possa continuar em perfeita ordem dentro dos limites do roteiro.
Porque será que almejamos algo tão distante como a liberdade em sua totalidade?
Porque precisamos vencer tantos obstáculos para atingir uma ínfima parcela de liberdade?
Porque os humanos precisam de toda essa teia e ao mesmo tempo sentem vontade de se desvencilhar da mesma?
Até quando a humanidade irá se manifestar?
Me pergunto porque a vida é esse ciclo sem fim.

terça-feira, março 20, 2007

Tiros no escuro

Atiraram em mim e cai escada abaixo.
Atiraram e acertaram.
Atingiram-me nas vísceras.
Atingiram-me no coração e o explodira em pedaços.
Atiram-me na cabeça e fizeram de meu cérebro fragmentos.
Atingiram-me nos membros e me privaram os movimentos.
Atingiram-me nos olhos e os tiraram de suas órbitas.
Atingiram-me nos ouvidos e desfizeram-se meus tímpanos.
Atingiram-me na boca e me tiraram a palavra, me tiraram o sorriso...
Eu atirei...
O som do projétil disparado no ar ecoou.
Atirei na escuridão e acertei.
Atingi a matéria estática.
Atingi nada mais que o espaço, mas no espaço havia algo...
Atingi o tempo, mas no tempo havia algo...
Atingi o que me atingiu e juntos agonizamos, nos esvaímos em sangue imundo, que inundou tudo ao redor.
Ambos atingidos, estancamos o fluxo, costuramos os furos...
Glóbulos brancos e vermelhos espalhados, perdidos, nos enfraquecendo aos poucos pela perca incessante.
Me desfiz, me descontrolei e atirei para todos os lados.
Atirei e acertei o alvo errado.
Dei as costas e acertaram-me, até que nada mais pudesse ser feito.

quarta-feira, março 14, 2007

Nada além

Ao redor o que se tem não é apenas o que se pode ver.
O que se diz ter passado e ficado, não fica não.
Reversão.
Possibilidade de impossibilidade.
Definição indefinida.
Desintegração e reintegração.
Disseram-me: "Faça o que tiver de fazer e não olhe para trás".
Não irei olhar.
A intensidade não se pode prever, nem mesmo a velocidade.
E disseram-me: "Assim a vida é".
Sim assim é.
Assim se conjugam os verbos.
Assim foi, assim é e assim será.
Vidas conjugadas e julgadas num conjugado apertado de ideias.
Papéis e papelões.
Figuras e figurões.
A imagem foi contida no papel.
E o papel contém o que jamais poderá ser contido.
A alma já se foi, se é que se pode nela acreditar.
A muito no que se acreditar e não há nada no que se acreditar.
Um devaneio...
Acorde não há nada além de si mesmo, os outros são os outros.
Acordei e sim os outros ainda são os outros, mas alguns são muito além dos outros.
Alguns sou eu e muito mais, são eu e minha dor, são eu e meu prazer, são eu e minha razão, minha força, minha sanidade e insanidade, minha totalidade incompleta, meu eterno amor e gratidão.
Claro, são eu e muito além do que sou, porque sem alguns nada sou.
São o melhor dos melhores e não é preciso nada além do que são.