quinta-feira, agosto 19, 2010

Procura

Não me procurem nos álbuns
Nas fotos em grupo
Nem em perfis perfeitos de pose.
Não estarei lá a te olhar
Aquele gelo pedrado no olhar
Que sorri para você ai do outro lado
Estes olhos que nos olham perscrutando
A procura de nada
No rosto um fio parado no papel luminoso da foto, um sorriso
Um atestado, um aval
De que a felicidade passou por você
Beijou-te, fez-te sorrir
Um abraço, um afago querido
Um lembrar, um querer
Destes que só as fotos têm
Uma assinatura, um selo meu de que estive aqui
De que passei por aqui e quando passei não estive sozinha
As fotos provam, comprovam que eu existi
Mas não me procure nas fotos
Pedaços de papel
Telas de computador
Não estou lá, nunca estive
Quem dera pudesse viver num pedaço de papel
Ou em um arquivo de computador
Assim, numa eterna ilusão, parada no tempo, isolada no espaço
Mas não nessa passageira ilusão, acelerada no tempo, deslocada no espaço
Perdida no compasso desacertado da vida.

quinta-feira, agosto 12, 2010

O eterno amanhã

Morrendo para o hoje, vivendo para o amanhã
No futuro eu serei...
No amanhã existe a promessa que hoje não se concretiza
O Amanhã é incerto, mas pelo amanhã eu espero
E de hoje eu esqueço, eu passo por ele como quem toma um remédio
Eu sou um ‘eterno vir-a-ser’
Pois hoje nada sou, além do que deveria ser amanhã
Não há um segundo sequer do hoje que não tenha um que da angústia de amanhã
A sede de hoje se projeta no amanhã
Quando me deito para descansar procuro imaginar que o amanhã não virá
Que o amanhã não irá acontecer, o dia não irá amanhecer, o tempo não irá prosseguir
Imagino que hoje é o último dia, a última noite, minha última vez, meu último sono
Então o mundo silencia, o tempo para e só assim posso descansar no que é
Posso ser no momento em que sou
Adormeço agora sem pedir pelo amanhã
O absoluto envolve a última noite do que é no presente
Eu me apago na escuridão do quarto como se jamais tivesse existido
E assim reina a paz que jamais reinou.

segunda-feira, agosto 02, 2010

Simples assim

Acendo todas as luzes do apartamento
Assim como se fosse um dia daqueles
Em que tudo cheira a comemoração
Deixo as janelas abertas, o vento entrar a rolar
No banho choro horrores, lavo a alma
Os olhos embaçados que vagueiam
As mãos que tateiam
Passam superficiais pelas coisas
Deito-me no chão da cozinha
Buscando suporte na pureza dos animais
Meu cão me olha e nada sabe, nem saberá o que é
O que é ser humano
Olho de volta e nada sei, nem saberei o que é
O que é ser cão
Ele fareja o peso dos pensamentos soltos no ar
Eu o amo e ele ama de volta, simples assim
A vida é simples assim e eu não sei

terça-feira, junho 29, 2010

Complexas relações humanas

As relações humanas são situações de todo embricadas, complexos emaranhados de emoções repetidas, catárticas , mais energética que o laxante e menos que o drástico, uma teia rasteira, efêmera sujeita a delinquir ao menor esbarrão.
Para debates que tangem emoções arraigadas, ilusões aferradas, erguem-se questões infinitamente redundantes, para as quais deve-se respostas igualmente supérfluas. Para perguntas sem respostas, não há perdão, há que se ter resposta devidamente elaborada para responder às expectativas do interrogante. Convém, para tanto, nos aprofundarmos neste ponto, posto que responder satisfatoriamente, exige a capacidade de discernirmos sobre as expectativas do próximo em relação a nós, tendo analisado e ponderado sobre tais expedientes, devemos então elaborar uma resposta adequada para cada interrogante em questão.
Para que a resposta seja aceita positivamente é necessário um trabalho de formulação de oratórias que correspondam ao que o outro quer ouvir e não ao que você realmente considera ou nem se quer considera. Pois, neste sentido, em geral, as pessoas não estão preparadas para o que somos, pela falta de objetividade racional que por vezes possamos apresentar, ou quem sabe para uma transformação considerável, que fuja aos requisitos padrão.
Não tem explicação, portanto, não é padrão, não é padrão, por conseguinte, não há aceitação, positivação. Portanto, resta-nos apelar às paredes, que não questionam, que não aceitam nem renegam, não julgam, nem pretendem saber de nós o que nem nós mesmos sabemos, não pressionam, nem tensionam, apenas ouvem, não importa compreender, simplesmente se calam para que o coração de quem vos fala saiba dizer, sem temer, nem responder, o que se passa dentro de nós. O caminho de ascensão se trilha sozinho, pois não pode estar lá fora, nem no outro, o que se encontra aqui dentro.

terça-feira, junho 22, 2010

Plúmeo

Hoje eu silencio as palavras de outrora
Hoje pacifico o espírito que há muito esteve enfermo
Hoje me disponho a ajudar, nem que seja a me calar ao lado de quem um pouco de paz precisar
Hoje ouço, ouço e me calo, porque tudo aqui dentro silencia
Hoje a palavra está guardada em meu coração
Hoje as ponderações e opiniões cessaram de dizer
Meu corpo hoje se compadece num estado de desatenção
Aéreo, mas não etéreo. Hoje ele paira suavemente sem se chocar na dureza das coisas
Âncora solta no mar pacífico, no silêncio que há em baixo d’água
Livre no movimento lindo do dia para a noite
Soprado ao sabor do vento como uma pluma sem rumo
Querendo entregar seu destino nas mãos do desconhecido
Pairando de cá para lá, subindo e descendo, sem maiores ambições.

segunda-feira, junho 21, 2010

Roda

Aqui tudo é denso
As paredes são sólidas
Duras e até quando amplas são estreitas à medida em que se estreita o olhar para lê-las
As cores estão impressas só nas superfícies, não sei se em algum outro lugar posso encontrar cores tão cerradas
Um mundo de espelhos, tudo reflete, qualquer movimento reflete, até o pensamento reflete no espelho de tão carregado de tudo
Aqui você bate, aqui você leva, aqui você faz, aqui você paga, na frente de todos existe um imenso paredão concreto. Não há como passar através dele, somos concretos.
Você se joga contra ele, bate a carne dos braços, os ossos das pernas e volta moído. Ação e reação. Você grita, o som ressoa, bate e volta para você. Tudo o que vai volta. Ação e reação.
Na luz tudo o que é sólido, corpos, objetos, projetam atrás de si uma sombra, na proporção de um para um. Você desvia, ela desvia, você reage, ela reage, ação e reação.
Tudo gira numa roda, início, meio, fim e então mais uma vez início, meio e fim. A cada volta completa da roda ela se torna mais pesada, devido ao contínuo acumulo de início, meio, fim. Continua. Você continua e vai continuando mais uma vez, e de novo, e de novo. A roda vai girando cada vez mais densa, mais pesada, e vai prensando, comprimindo, esmagando, extraindo todo o suco que se acumula no fardo que foi se formando e vai ela se arrastando, estalando, girando, girando, girando, girando.
Bateu-levou, ação-reação, aqui se faz-aqui se paga, na roda se faz na roda se paga, e assim por diante, na roda do bateu-levou, ação-reação, a roda cresce e pesa ainda mais, mais sólida fica. Reação em cadeia.
A roda se repete, redunda, a roda é tudo até onde vai o paredão, ali bateu-levou, ação-reação, pergunta - resposta, verdade - mentira, certo - errado, preto - branco, tudo - nada, quente - frio, seco - molhado, vivo – morto, bem – mal, velho – novo, cheio – vazio, grande – pequeno, sujo – limpo, luz – escuro, tudo entre dois pólos opostos, positivo-negativo, que se misturam, que se repelem, teia complexa, teia que envolve e maçaroca, até não ter como escapar.
A gente se equilibra na corda, na corda bamba da vida e eis que as tentativas, movimentos sutis ou bruscos, irão todos repercutir nas extremidades, e então a corda irá vibrar, até ceder e recomeçar.

quarta-feira, maio 26, 2010

Uma luz

Está frio aqui onde estou
Tanto que te causo arrepios
Meu tormento é um mal estar em teu coração
Tento sempre falar-te sutilmente o que sinto
De um jeito que não te assuste nem te afaste
No escuro da noite, venho insistentemente te encontrar
Quando todos dormem, inclusive você, que parece descansar na paz do silêncio que jaz em teu quarto
Tento demonstra-te minha presença, chamo-te a atenção e acabo por tirar-te o sono
Então, você me diz que está tudo bem e relembra coisas agradáveis de seu passado para me confortar com o amor dele exalado
Me diz que estamos a bordo de uma espaço-nave dourada, que sai por ai a iluminar corações abertos a uma energia sutil
Cortesia benévola aliada a delicadeza de figura cósmica e então, um abraço, um sorriso, me espera no infinito desta vida.