terça-feira, junho 22, 2010

Plúmeo

Hoje eu silencio as palavras de outrora
Hoje pacifico o espírito que há muito esteve enfermo
Hoje me disponho a ajudar, nem que seja a me calar ao lado de quem um pouco de paz precisar
Hoje ouço, ouço e me calo, porque tudo aqui dentro silencia
Hoje a palavra está guardada em meu coração
Hoje as ponderações e opiniões cessaram de dizer
Meu corpo hoje se compadece num estado de desatenção
Aéreo, mas não etéreo. Hoje ele paira suavemente sem se chocar na dureza das coisas
Âncora solta no mar pacífico, no silêncio que há em baixo d’água
Livre no movimento lindo do dia para a noite
Soprado ao sabor do vento como uma pluma sem rumo
Querendo entregar seu destino nas mãos do desconhecido
Pairando de cá para lá, subindo e descendo, sem maiores ambições.

segunda-feira, junho 21, 2010

Roda

Aqui tudo é denso
As paredes são sólidas
Duras e até quando amplas são estreitas à medida em que se estreita o olhar para lê-las
As cores estão impressas só nas superfícies, não sei se em algum outro lugar posso encontrar cores tão cerradas
Um mundo de espelhos, tudo reflete, qualquer movimento reflete, até o pensamento reflete no espelho de tão carregado de tudo
Aqui você bate, aqui você leva, aqui você faz, aqui você paga, na frente de todos existe um imenso paredão concreto. Não há como passar através dele, somos concretos.
Você se joga contra ele, bate a carne dos braços, os ossos das pernas e volta moído. Ação e reação. Você grita, o som ressoa, bate e volta para você. Tudo o que vai volta. Ação e reação.
Na luz tudo o que é sólido, corpos, objetos, projetam atrás de si uma sombra, na proporção de um para um. Você desvia, ela desvia, você reage, ela reage, ação e reação.
Tudo gira numa roda, início, meio, fim e então mais uma vez início, meio e fim. A cada volta completa da roda ela se torna mais pesada, devido ao contínuo acumulo de início, meio, fim. Continua. Você continua e vai continuando mais uma vez, e de novo, e de novo. A roda vai girando cada vez mais densa, mais pesada, e vai prensando, comprimindo, esmagando, extraindo todo o suco que se acumula no fardo que foi se formando e vai ela se arrastando, estalando, girando, girando, girando, girando.
Bateu-levou, ação-reação, aqui se faz-aqui se paga, na roda se faz na roda se paga, e assim por diante, na roda do bateu-levou, ação-reação, a roda cresce e pesa ainda mais, mais sólida fica. Reação em cadeia.
A roda se repete, redunda, a roda é tudo até onde vai o paredão, ali bateu-levou, ação-reação, pergunta - resposta, verdade - mentira, certo - errado, preto - branco, tudo - nada, quente - frio, seco - molhado, vivo – morto, bem – mal, velho – novo, cheio – vazio, grande – pequeno, sujo – limpo, luz – escuro, tudo entre dois pólos opostos, positivo-negativo, que se misturam, que se repelem, teia complexa, teia que envolve e maçaroca, até não ter como escapar.
A gente se equilibra na corda, na corda bamba da vida e eis que as tentativas, movimentos sutis ou bruscos, irão todos repercutir nas extremidades, e então a corda irá vibrar, até ceder e recomeçar.

quarta-feira, maio 26, 2010

Uma luz

Está frio aqui onde estou
Tanto que te causo arrepios
Meu tormento é um mal estar em teu coração
Tento sempre falar-te sutilmente o que sinto
De um jeito que não te assuste nem te afaste
No escuro da noite, venho insistentemente te encontrar
Quando todos dormem, inclusive você, que parece descansar na paz do silêncio que jaz em teu quarto
Tento demonstra-te minha presença, chamo-te a atenção e acabo por tirar-te o sono
Então, você me diz que está tudo bem e relembra coisas agradáveis de seu passado para me confortar com o amor dele exalado
Me diz que estamos a bordo de uma espaço-nave dourada, que sai por ai a iluminar corações abertos a uma energia sutil
Cortesia benévola aliada a delicadeza de figura cósmica e então, um abraço, um sorriso, me espera no infinito desta vida.

segunda-feira, maio 17, 2010

Luzes de natal

Imagine, eu digo
E então fecho os olhos
E sinto que o ar que respiro é minha casa
Sinto as luzes se acenderem
As luzes que tanto esperei
Luzes de natal
Piscam no escuro
Se eu abrir os olhos
Não poderei evitar
O coração se desfazer
E perceber que sou toda emoção
Mais emoção que razão
Só assim posso viver
Porque tudo aqui é para se emocionar
Então não evito,
Acompanhar a dança das luzes
Não há lógica no que sinto
Nem ciência no que digo
Não há verdade no que vejo
Se eu quiser, a música irá tocar
E então será natal

terça-feira, maio 11, 2010

Última hora

Sou das coisas mal planejadas
Dos feitos de embora, de última hora
Do coração batendo à frente do tempo
Pressa infantil
Dos que não esperam
Saem batido as portas do tempo
Abrigados num relógio
Um coração tic - tac
Hoje é o prazo final
Hoje é o dia em que começa
E o dia em que termina
É próximo o último grão de areia
Que brinca se cai ou se não cai
Sobe desce, numa gangorra de angústia
Pende e toca o final, num chamado do tempo
Medida arbitrária da duração das coisas
Afinal tudo acontece, ao nascer e morrer do dia

domingo, maio 02, 2010

Insetos

Ao fim da tarde, quando o céu em brasas cede espaço ao marinho azul que se apaga às luzes estelares de vaga lumes distantes no infinito, vou-me até janela e o ar queima vapores sulforosos, CO2, tragos e urros de ônibus e carros.
Os bueiros, bocas imundas, arrotam insetos, hálito moderno da sujeira ordinária que aos poucos engole a cidade. Fecho a vidraça e de dentro vejo os insetos, pequenas cruzes do sacrifício humano, negros, brancos, amarelos, mistos, suspensos no ar, batendo compulsivamente suas cabeças na vidraça em busca de luz, em busca de sangue.
Um exército faminto de timbres, zunindo numa só frequência, do instinto, da sede, da fome. Milhares deles intentam invadir minha torre, meu observatório terrestre. Rufam os tambores a espreita de minha fraqueza, vontade minha de seguir para além do olhar inocente, deliberado a agir, envenenar-se de toda peçonha que à minha porta bate.

quinta-feira, abril 15, 2010

Compromisso

Eu tinha um compromisso marcado
Com hora e data indicados
Era uma obrigação a realizar
Um dever a cumprir
A força invisível que me impingia a necessidade de ir, me esfriou
A motivação se esvaiu no ter de ir do compromisso sem graça
Meu rosto no espelho ao se preparar para mais um “eu estou aqui” se desbotou
O sorriso afrouxou, os ombros penderam e se curvaram de modo que as roupas não lhe caíam bem
Os joelhos tortos ficaram bobos como os de um tolo
Os braços se deixaram cair da cintura rumo as pernas, pilastras imóveis
A força, a paixão, fugiram num riso mofado
Na hora a vontade escapou, apesar do combinado
Então decidi que não ia
E aqueles que lá não me vissem, que se contentassem a me criticar os maus modos.