quinta-feira, setembro 24, 2009

Momento

A imagem presa num pedaço de papel
Como mágica que escapa do tempo
Saudade cristalizada no coração
Um jeito cabisbaixo meio que sem esperança
No momento não havia percebido aquele seu olhar
No presente me dei por vencida, afastei-me em receio
De que sua tristeza fosse maior do que eu
Para mim era aquele mirado triste de quem olha para baixo
Buscando um sentido nas coisas pequenas, naquelas que mal enxergamos
Como se estivessem aos nossos pés, fáceis demais para perceber
Breves demais para se alcançar
De cabeça e ombros curvados à procura de si mesmo
Como lhe pesava o mundo, olhos calados
Silêncios d’alma, relógio a pender
Sorvedouros d’ouro
A tudo pareciam suportar
Pudera eu ter segurado sua mão
Contemplei sua alma a errar distante
Meu coração apertado, cismado com o peso do seu
Mais parecia magia aquele seu olhar, mar a inundar
Aquele ainda hoje a persistir num pedaço de papel
Meu corpo tensão, pura apreensão
O momento passou,
O momento ficou,
Eternamente,
O momento era você
E eu não saberia dizer,
Não de um momento como aquele em que o presente era você

quinta-feira, setembro 17, 2009

Corpo humano

Não quero beber
Quero sede, seca
Não quero conforto
Quero desalento, abandono
Venta frio, não me cubro
Não este corpo...
Não quero me aquecer
Ele chora, arrepia, se encolhe
Sofre, implora, quer...
Só o que faz é pedir, desejar
E digo não...
Espero a resposta
Involuntária
Grita, ordena
Brinco, me nego
Provo que não me controlo,
Não me pertenço,
Isso... Diga...
Agora, diga...
Diga que sou eu
Quem está no comando
Máquina orgânica
Circuitos neurais
Anatomia caótica, ordenada
Calafrio, febre e dor...
Corpo e mente repartindo-se em milhares de células mil
Quebrando cadeias, arritmia cardíaca
Genética herdada, esse corpo, anticorpo
Embate orgânico
Perdendo, repondo
Mal externo, ah esse corpo...
Mente estilhaços, quer reger
Engolfada, sangue a fora
Do coração à via central
Corpo linguagem biológica
Vida a pulsar
Vida a se esgotar
Sangue a se exaurir
Absoluto a se acabar
Não lhe posso impedir
Envolva-me, me envolva
E escolha nada ter para tudo ser

domingo, setembro 13, 2009

Pedido 4662

Meus dedos são como estacas rachadas
Prontos para perfurar, cavar esse solo erodido
Nesta sala fechada, abafada em meio a lasers
Tambores eletrônicos, aborígenes expatriados
O perigo ronda, devora destemido
Não há o que temer, não há o que temer...
Ecoa no ar, invariavelmente
Num mar onde somente os corpos falam
Irrompe maré alta que tenciona involuntária
Cataclismo ilícito se move de dentro para fora
Rostos inexpressivos
Pálidos, cambiantes
São só borrões de tinta
Seus corpos fumaça
Ondulando, ondulando...
São todos um só terreno
Mergulho, toco no fundo
Bebo dessa superfície
Aspirando que seja perene
Peço, e peço, para que não acabe nunca
Sofro a influência dos astros
E tudo passa, cedo ou tarde

quarta-feira, setembro 09, 2009

Morte

Quem a ti não temer
Teus olhos miméticos
Tua foice implacável
Teu ponteiro certeiro
De teu beijo irá levar o sabor
Em teu enlace mergulhar devagar
Destinado a nos escoltar
Lira distante
Chamado lacônico
Teu lamento um encanto
Bramido suave a clamar
Meu nome em tua boca chamar
Teus versos a decantar
Anjo a cantar
Para meu espírito cativar
E minha alma levar
Para todo lugar
Num abraço a consagrar
Derradeira essência a chorar
E verdadeira existência firmar
Por ti não haverei de chamar
A ti não haverei de negar
Por ti não haverei de esperar
A ti haverei de aceitar
Eternamente em meu coração


domingo, setembro 06, 2009

Dia de chuva

Sensação eterna de incompletude
Lembrança remota, difícil de se alcançar
Suspensa no meu coração
De longe, familiaridade, raridade
No céu branco, somente pássaros em revoada
E a chuva, cortejo brilhante, ruído cadente
O cheiro da terra, quando queda no solo
Inconfundível, indescritível
Da memória, o aconchego
Das janelas, cursos d’água
Correndo, escorrendo,
Alimentando a terra
Alimentando a farra dos pardais no telhado
Nutrindo a nostalgia, crescente corredeira
Fim de tarde a suspirar
Dia de chuva, dia de chuva
Os olhos chovem alimento d’alma
Pedindo aquilo que o tempo tira

quinta-feira, setembro 03, 2009

Roda do Tempo

Cedo, ao alvorecer da vida, hei garotos, moleques, grilos serelepes no jardim a suspirar, para que a roda do tempo se estanque, gire lenta, quase a parar num sonho ensolarado, chuvoso, num bailareco infinito.
Crescidos, esguios, no alarde das valentias, valsejo de amor, vapores suspensos elevados à décima potência, respirações anelantes, ações alarmantes, disritmia pulsante, a roda acelera às voltas de um tempo sem volta, engrena sem medo até desabar em perene ilusão.
Crescidos descrentes, maduros amargos, transeuntes perdidos na roda furiosa, estrelas cadentes que descambam em desajeito, morro abaixo, morro abaixo, morrendo, morrendo...

domingo, agosto 30, 2009

Sorvendo-me

Muito bebi da racionalidade
Mas não adianta, de todo não sou racional
Argumentos bem elaborados, pautados em exímias teorias
Por certo não me convencem, resvalam em orgulho cético
Por pouco ocupam espaço no vácuo no qual sufocam e gritam em desespero
Eu por inteira não sou racional,
Meus atos, convicções em muito são passionais, sazonais, impulsos irracionais
Elevações, depressões, erosões em terreno arenoso, pedregoso
Não sou equação, sou inequação,
Desigualdade insatisfeita,
Valores de parâmetros indeterminados,
Incógnitas irresolutas,
Inconcluso “objeto”
Expressão fiel da natureza
A quem não se pode convencer
A quem não se atribuem verdades
Sorvendo-me
Transbordando
Tragada num único gole
Expelida em uma só onda
Coração a bombear
Oração sempiterna
Que não teve princípio nem há de ter fim