quarta-feira, abril 30, 2008

Abandono

Peço-te que me abandones, deixe-me viver e morrer na dor de não pertencer a ti.
Imploro-te para que estejas próximo, pretendo não perder-te de vista, porém não almejo ver-te nitidamente.
Contento-me apenas com tua sombra sorrateira, mas temo em breve isto não ser sustentável.
Coloco-me na transição entre os extremos.
A dúvida consome meu ato de decisão, estes minutos são finais e os próximos serão meu fim.
Deixe-me até que meus caminhos não mais cruzem os teus, até que a dor lacere meu peito e meus sentidos não mais sejam confiáveis.
Espera-me em planos secretos, onde minha existência consagrada de vida se deixa tomar por teus apelos.
Assim sendo irei para quem sabe um dia retornar novamente.

sexta-feira, abril 18, 2008

Guerra

Cá onde estou, rebenta uma guerra de matéria neural,
Propagada além da ossatura e fluxo venal,
Decorre em espasmos mentais.
Guerra psíquica,
Campo minado do inconsciente,
Sopro volátil de entidade incorpórea,
Agente infeccioso de contagio moral.
Revoltas sensações cavam trincheiras no terreno da razão.
Na linha de frente marcham kamikazes,
Entregando-se à dor incurável.
Sádicos lamentos fraturam-me a alma.
Invadem-me apetites coléricos e,
Irrompem-se calorosas batalhas.
Verborreicos açoites castigam-me o espírito,
Fulminantes delírios laceram-me o peito.
Lufada vital traga-me sementes de ouro,
Crave-as em meu corpo astral,
Remova do meu coração as flechas que o perfuram,
Dos meus pés grilhões que se arrastam,
Dos meus olhos pesares que os pesam.
Só não dê novamente uma trégua, pois dela se ergue uma onda que a todos os sentidos engole.

terça-feira, abril 15, 2008

Eu

Eu tenho um nome, mas ainda não sei quem sou.
Eu tenho vários sonhos, mas ainda não sei quem sou.
Eu tenho várias perguntas a fazer, mas ainda não sei quem sou.
Eu tenho várias respostas a dar, mas ainda não sei quem sou.
O tempo está passando e eu ainda não sei quem sou.
O tempo continuará a passar e eu continuarei a não saber quem sou.
Não sei o que irá ocorrer quando eu souber quem realmente sou, se é que um dia irei saber.
Por enquanto me contento em dizer que sou um ser humano que tem suas vontades, que sonha, que tem suas opiniões, que tem suas crenças, que vê o mundo de certa maneira, que tem suas necessidades básicas, que apresenta controvérsias, que tem seus defeitos, que tem suas virtudes, que se questiona e que tem esperanças.
Eu não sei o que me espera no futuro, mas sei o que eu espero dele.
Eu percebo as coisas que vejo e toco e penso sobre as que não posso ver nem tocar, por enquanto isto é tudo, mas não é o suficiente.
Eu estou escrevendo, porque acho que assim irei exteriorizar o que sou ou o que acho que sou.
O que eu acho que sou é o que sou, mesmo isto não sendo verdade, porque também não sei até que ponto tudo isso é verdade. Digamos que seja verdade agora, mas talvez no futuro deixe de ser, pois no futuro certamente eu não serei mais esta pessoa que está escrevendo sobre si mesma, eu serei outra pessoa.
Assim, fica difícil saber quem realmente sou, porque todo tempo eu deixo de ser o que sou agora para ser o que sou depois.
Acho que quando descobrir quem realmente sou, serei tudo o que sou, o que fui e o que serei ao mesmo tempo.
É possível que eu seja não apenas um, mas vários ao mesmo tempo.
E se possível for, saberei que sou vários e não um, ou que sou um englobando vários.
Existiriam respostas para estas questões? E se existissem, seriam elas verdade?
E se algo hoje for verdade e amanhã já não for mais?
Isto significa que as verdade são mutáveis, portanto não são totalmente confiáveis e se não podemos confiar nem nas verdades, então no que podemos confiar?
Podemos confiar em nossas afirmações?
Se essas afirmações são propensas a transformações, hoje se firmam, mas um dia cairão por terra.
Um dia as respostas foram perguntas, mas hoje são o que são e o que são é o contrário do que foram.
A final, nada podemos controlar a não ser aquilo que achamos que podemos e isto me leva a perguntar o que seria então palpável.
Existe uma realidade, ou ela não passa de um mero conceito que criamos?
Se fomos nós quem criamos este conceito, como poderíamos garantir ser ele real?
O que sei agora é que na vida de nada tenho certeza, pois tudo nela esta em movimento.
Os momentos em sua individualidade são eternos, por existirem da forma como sempre foram no espaço e tempo em que se passaram, mas são um e não o todo.
Acredito que no todo de tudo, deva existir o todo de cada um, nisto creio já faz algum tempo e se continuar a acreditar, acharei que é verdade. Ainda assim não é garantido, mas faz parte do que fui e do que sou no momento, sendo assim, parte do caminho já fora trilhado.

quarta-feira, abril 09, 2008

Na linha de um trem sem fim

Assobia o apito do trem, sonoro convite à infinita viagem.
Sobem a abordo anseios de quem os têm.
Por trilhos outrora trilhados, conduz passageiros que passam e no passado se fincam.
Vagos vagões trepidam aflitos.
Ferrugem e fuligem forram os leitos.
O trem engrena planos possíveis,
Enveredado por desejos tirânicos.
Imprimindo velocidade assassina,
Verga-se ao peso de férrea volúpia.
Caminho de ferro, que intuito terás?
Carregas o fogo da eterna vontade,
Em qual estação deve o intento saltar?
Na linha de um trem sem fim, esperamos o que nos espera.
Embarcamos no trem que busca tudo aquilo que se deseja e por nunca deixarmos de desejar o trem se chama sem fim.

segunda-feira, abril 07, 2008

Fez-se e se desfez

Não mais lançava o olhar ao céu, pois se lhe seguiam alto os arranha-céus.
Não mais deitava a ver nuvens sossegadas sobre o gramado, pois se lhe passava uma avenida.
Não mais dançava sob os raios de lua, pois se lhe ofuscava as luzes da cidade.
Não mais apanhava os frutos da caramboleira, pois se lhe sobrepunha um passeio público.
Da natureza fez-se propriedade,
Da menina fez-se cidadã,
Da liberdade fizeram-se os direitos,
Da sede fez-se a necessidade,
Do tempo fez-se prisão,
Desfizera-se o tempo em que a menina vivia e fizera-se o tempo do qual vive a menina.
Ao fim e ao cabo, fez-se poesia, que dela e nela vive.


segunda-feira, março 31, 2008

Se

Não deveria esperar pelo sol nem pela chuva de amanhã,
Nem me preocupar se o dia será bom ou ruim,
Ou se será como imaginei,
Não deveria jogar a bola com tanta força para o outro lado do muro, porque corro o risco de não encontra-la jamais.
Se olhar para trás, sei o que irei ver,
Se olhar ao redor, vejo o que ficou e imagino o que vem além do horizonte,
Se olhar para o espaço onde estou, insisto em pensar nos passos que dei e naqueles que quero dar.
Se ficar onde estou começo a esperar,
Se voltar para onde estava me vem a esperança de poder modificar os quadros tristes e reviver os mais felizes.
Jogo a bola para o alto, sei que irá cair mais rápido do que esperava.
Mera ilusão ter a bola em minhas mãos.
Chuto a bola para frente, mas não corro para ver onde vai dar.
A partir daí, apenas a certeza de que não adianta esperar ela voltar, pois sou eu quem deve ir buscá-la.

quinta-feira, março 27, 2008

Poema escrito para um homem chamado Joseph Merrick

Enfim, construíra seu castelo encantado,
Sua igreja matriz,
Vivera seu sonho distante,
Sonhara milhões de sonhos mais,
Tornara-se um homem comum,
Recebera seus cumprimentos,
Fora admirado,
Sentira-se grato,
Vira-se nos olhos daqueles que o observavam com curiosidade,
Divertiram-se com sua imagem, ao passo de seu sofrimento,
Ainda assim, enxergara comovente beleza nos rostos que dele zombavam,
Seres celestes, senhores da vida, legitimados na perfeição,
Fizeram-lhe monstro, animal, bárbaro anômalo,
Fizeram-lhe marcas, dor e medo,
Quando, na verdade, era um anjo de medonha aparência,
Um corpo perdido no caos,
Ser transcendente, metafísico.
Era nobre.
Era apenas um homem. Queria sê-lo e o era.
Temia o mundo que lhe ofereciam,
Numa esfera abaixo da humanidade,
Para tanto, engendrou projetos quiméricos,
Levou-os às ultimas consequências.
- Sou um ser humano! – implorava a Deus que fosse verdade.
Fora um espelho quebrado, que refletiu a imagem e semelhança disforme dos seus.