quarta-feira, abril 06, 2011

A seriedade que não sou

Saudades das aventuras da infância
Da espontaneidade adolescente

Eu que nunca fui fiel escudeira das regras
Nem nunca estive a par dos métodos

O sistema foi aos poucos apagando a luz e
Com os sopros das velas dos aniversários,
Foi se extinguindo as chamas do meu coração

Foi então que comecei a morrer,
A sumir,
A deixar e
Hoje no espelho reflete a seriedade que não sou

Não sou séria
Tampouco levo a sério este mundo
Nem me importo com o que a vida reserva

No fundo sabemos o que será,
Não é mágica, é óbvio
É previsível e está tundo dentro dos esquemas do sistema

Mas eu finjo que espero
Finjo que não sei e que aceito
Me calo, abaixo a cabeça e engulo

E como todos, entro na fila para lugar nenhum.

quinta-feira, março 17, 2011

Cenário

Cenário
Manchado
Cortina
Névoa
Maresia que pousa e repousa sobre as calçadas de Copacabana
Brisa do mar, chicote de veludo no rosto, acalma-me a cruz
O peso dos prédios opostos ao mar, abaixo do céu
Vai se pondo o sol, vão se acendendo os artifícios da noite
Meus olhos distraídos, pousados sobre a maravilha das coisas
Reduz o peso do fardo, da gravidade sobre os ombros, da seriedade da vida
Alguns minutos de elasticidade, flexibilidade, irreverencia
Não...
Agora não é hora de dizer o que é nem o que deve ser feito
Calem-se todos e ouçam o ruído de todas as coisas de agora
Os acontecimentos se desenrolam eternamente em repetição
De veracidade impossível, velocidade um princípio absoluto
O que não cala nos passeios dos entardeceres e amanheceres é o desconforto que sinto diante deste mundo.
Estou delirando, com febre, doente, desconexa
Assumo compromissos, me alimento com saúde, por vezes deslizo, cuido das plantas, dos animais, ainda não há conforto. Há confronto de dentro para fora.
Não consigo me apegar assim como quem salva uma vida, me sinto solta, dispersa, por vezes me agarro, sem forças para me fixar.
Que condição é essa?
Que cidade é essa que não me acolhe?
Que verdade é essa que não me convence?
Estou aqui, mas não pertenço a este lugar.
Luto uma guerra que não é minha,
Partidos dos quais não faço parte.
Memórias do silêncio, do mar calmo e tranquilo
De um céu de domingo, de um beijo que o tempo apartou
Que a vida levou
Das noites de natal
Uma luz se apagou
Outra se acendeu
Então me prove que ainda tenho a mim, ao menos a mim, que não me perdi e que já não é tarde
Me desculpe, mas não posso aceitar...
Não posso...

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Um encontro

Perder um amigo é uma dor sem igual
Me lembro ter imaginado uma ausência perene,
Sonhava uma dor suave, amainada pelo passar do tempo
Foi-se aos poucos se dissolvendo uma imagem embrutecida pelas novidades
Falta de juízo total, diamante secreto da exclusividade
As lágrimas, notas tortas de um piano desafinado, puro desajeito das mãos estúpidas de um velho escritor
Juramos eternidade sem nada dizer,
Tamanha sinceridade não exige memória,
Nada, um sentido guardado numa caixa de madeira
Tudo, um sentimento descolado do tempo, da fama e do nome
Renovado pedido, faz minh'alma te chamar mais para perto
Aquece meu lar, tens outro nome, outra face, outra alma
Mas se entre ambos um mundo, um abismo de diferenças, aqui entre particularidades, generalidades, vem pairando acima essa forma, esse sopro, vida a nos animar a todos,
Não há de ser meramente humano esse som, essa força que nos move
Há de ser tudo o que há
Para fora e para dentro. Um encontro.

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Desculpe-me

Desculpe-me não dizer
Prometi ligar, mas não liguei
Prometi voltar, mas não voltei
Prometi escrever, mas não escrevi
Destinos, promessas, esperanças firmadas em aparências
Cumpro o silêncio que me deixa calar
A expressão do desejo se reflete na presença desnecessária das palavras
Desculpe-me não dizer.
O não manifesto das palavras se insurge contra a oratória que prova
Imputa ânimo naquele que escuta, vence ou convence.
O que preciso eu dizer ao ego que me ouve
Esclarecer, amanhecer sobre mim explicações imprecisas
Há fenômenos sobre os quais prefiro nada dizer
Há que se cumprir algo além de palavras
Seja sorte, sina a sair do ventre, nascer do ovo
A manar de si e inundar tudo o que há

sábado, outubro 23, 2010

Mil anos luz

Não preciso de nada...
Nada que me faça sentir que anos a fio irei viver
Décadas, séculos adiante...
Sou transitória, eterna
Não dói a idéia de que a morte segue
Dói-me a brevidade que me expõe à dureza das coisas
De uma cor que desbota
De um rosto que desvanece
De uma memória que se apaga
Uma verdade digna de morte
Um espaço entre coisas
Quem vai segue adiante
Uma nota que toca
Concisa e precisa
Digo: Fique e permaneça
Sussuro: Vá e desvaneça
Essa sílaba, divisa entre consoantes e vogais
Uma alma entre mil mundos
Um ruído do tempo, do agora
Afora há sempre um amanhã
Tantos que nem sei quantos
Não há tempo nem espaço que se nos possa limitar
Estou partindo
Por vezes fugindo
Mas estou chegando
Aos poucos
Num raio de mil anos luz

sábado, setembro 25, 2010

Eu ouço

Eu ouço as pessoas falarem comigo
Me aconselhando, me guiando, me alertando, me confortando
Me sinto por vezes perdida em meio a tantas palavras
Deus me perdoe ser ingrata em relação àqueles que ofertam ajuda
Não é isso o que acontece
Agradeço a cada segundo, pela sorte que tenho
Pela maravilha de trilhar um caminho rodeado pelas pessoas que me cercam
Poderiam acreditar em qualquer coisa, existem milhares de escolhas
E em meio a tantas escolhas, optaram por acreditar nesse eu a que me propus representar
E eu a medida que ouvia, acenava positivamente com a cabeça sem nada dizer
Todos me pareciam estar certos, mas aos poucos fui começando a perceber um pequeno buraco dentro de mim
A sensação de que alguma coisa faltava ali, faltava uma voz
Uma voz que quase não ouvia
É como uma fratura
As vezes temo que me perguntem minha opinião
O que você acha disso? O que você quer? O que você tem em mente? Quais são seus objetivos? Onde pretende chegar?
E eu então não saber responder
Ha que se ter uma resposta
Eu percebi que não tenho voz
Não me sinto presente
Estou na água, boiando, boiando...
As águas foram passando, foram me levando e eu fui deixando, deixando...
Todos parecem nadar em alguma direção
As vezes nado para um lado, as vezes para outro
Em alguns vejo algo maravilhoso, vejo uma luz intensa, vejo obstinação
Vejo um objetivo certeiro, um dom quase inato, uma saciedade
Paro para olhar, admirar e então eles se vão no horizonte a nadar
Eu só consigo escrever
Meras palavras
Não consigo falar
Minha voz não tem som
Eu queria saber falar
Por Deus! Não consigo externar
Não consigo ser, nem refletir
Eu só me afogo em meio a esse mar de coisas e mais coisas
Uma alma que se assusta diante de si mesma
Que não consegue se agarrar a nada, são apenas naufrágios
Vou absorvendo um pouco de cada um, um pouquinho daqui, um pouquinho dali
Vou engolindo a água que me dão para beber, para preencher o buraco plantado aqui dentro
Todos têm algo a dizer, a afirmar, então paro para ouvir e muito me admira não poder nada dizer
Estava eu certo dia a caminhar em meio às luzes dos postes, dos faróis dos carros, das vozes das pessoas na rua, dos passos dos apressados, dos atrasados, então olhei para o céu em busca de algo acima de nossas cabeças ocupadas, atarefadas
E vi que a lua estava cheia, brilhava um amarelo alaranjado e então meu coração acalmou e dentro dele surgiu um chamado, uma voz que a muito não se manifestava, soterrada em meio a tantas estruturas
Essa voz era a minha própria, por Deus! Ela dizia para seguir no horizonte rumo a lua que brilhava, eternamente rumo a luz tão distante no céu, incessantemente rumo a ela
Ela seguia dizendo: Não há cansaço que impeça você de um dia chegar, de um dia alcançar, de um dia encontrar essa luz que lhe parece tão distante, tão impossível...
A luz mais distante do céu me alcançou, e então quem sabe um dia possa você alcançá-la e ao seu lado caminhar na eternidade livre de tempo, livre de espaço, livre de mim
Possa caminhar no infinito desta luz, rumo ao desconhecido, rumo ao impossível, sem nada esperar, nem saber, nem conhecer, sem nada dizer, apenas se abrir, receber, se entregar, se expandir, apenas ser nada que se possa definir, apenas existir silenciosamente nesta imensidão.

domingo, setembro 19, 2010

Os donos da verdade

Não sei que dia foi aquele
Aquele em que decidiram o que era certo e o que era errado.
Foi assim que começou
Cada um carrega dentro de si uma infinidade de valores que somados constituem uma “bagagem” pesada
Alguns se dispõem a arrastá-la consigo pela estrada da vida, acrescendo a ela cada vez mais verdades, teorias, assertivas universais
Aos poucos a alma se curva
Se curva diante das regras, das grades, das crenças, das imposições
Deixa de ser, torna-se dever
A verdade é ouro, mais absoluta certeza
Uma verdade se multiplica por dez e assim por diante, na medida em que vamos nos munindo dela para viver e conviver
As verdades se expandem para além das barreiras as quais nos impusemos e aos poucos começam por contornar as pessoas com as quais convivemos se espalham e invadem as vidas daqueles que ao nosso lado caminham e então se intensificam, se solidificam e falam por você, determinam para o outro como as coisas devem ser, se exteriorizam de modo que o mundo lá fora passa a ter de refletir o que você é ou tudo o que acredita ser.
A mente fica a tagarelar, a determinar, a reger o que não lhe cabe reger. As liberdades se estreitam cada vez mais, os horizontes diminuem e aos poucos beira o insuportável. Eis que nos surgem os desagradáveis donos da verdade.
Aqueles que se julgam aptos a definir o que é certo fazer e a partir disto, determinar para outrem as verdades que para si são supremas
Aqueles que insistem em nos dizer o que devemos fazer em meio a uma inutilidade de idéias pré-formuladas, baseadas em infalíveis verdades
Aqueles que pretendem impor o que são para aqueles que já sabem o que são
Seres fixos, estáticos que se aprisionam em suas próprias verdades e procuram aprisionar todos ao redor, formando uma longa cadeia de prisioneiros iguais, meros reflexos, sombras, apagados num caminho certeiro, verdadeiro, inevitável de repetições obsessivas.
Caminho viciado, circular, amarrado, dos arautos das verdades a seguir, das correções, da palavra ordeira, do conselho certeiro, do que deve ser.
A alma que se eleva ao pedestal infinito das verdades compreende o mais luminoso conhecimento das coisas. Torna-se o juiz que sentencia todos aqueles que se encontram desprotegidos das grades do saber que lhe pertence.
Seu mundo é o verbo da sentença, uma estrada bifurcada entre erros e acertos, uma verdade imposta, suposta realidade, tola ilusão.
Hão de conhecer a liberdade de escolha, a imprevisibilidade das coisas, as diferentes nuances das almas, a diversidade, a transitoriedade das coisas, as metamorfoses que se dão a cada segundo de nossas vidas. Tudo difere. A beleza não é perfeição é o aprendizado, que modifica as coisas, é algo que não molda, mas que pulsa e vive em uma eterna transformação.