sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Remador

Certo dia me lembro ter visto um barco sozinho no rio de manhã bem cedo, o sol mal tinha nascido
Era um sujeito solitário, mais velho com chapéu na cabeça, desleixado
Havia remado ainda a pouco, ao redor do barco a água ondulava
Com um tipão cabisbaixo enrolou um fumo, acendeu o cigarro, tragou uma vez e seus olhos fitaram o horizonte, se perderam no nada, vazios
A fumaça do fumo se esvaiu
Se curvou para uma tosse rouca, aquele não era um pescador
Era um tipo calado que remava sem curiosidade, parecia conhecer todas as coisas, mas num instante pareceu ter se esquecido
Parecia não se importar com as coisas à sua volta, mas sei que não é bem assim, sei que não é
Aquele não era conhecido meu, do contrário eu poderia pensar que fosse meu pai chegando ou partindo
O homem do barco foi remando e passando devagar, não parecia ir a lugar algum, mas ele foi tão longe que ainda hoje me lembro
Não que isso interesse, mas hoje me parece um dia daqueles em que alguém rema perdido

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Senhoras Vaidosas

De dia se pintam tal qual boneca de louça
Os olhos são dois borrões negros
Sobre estes uma névoa azul se espalha
O rosto envolto a uma nuvem de pó
A boca de um vermelho escarlate
Colares de contas diversas serpenteiam lhe o colo
Ornadas de pulseiras e brincos pendurados puxando-lhe os lóbulos
Vaidosas se esgueiram pelas ruas, ônibus, lojas, cafeterias
Bailam, oscilam no tempo
Detêm-no
Estancam-no
Impedem-no
Quem sabe, brincam com o tempo
Ele vem chegando, e digo não
Vem sussurrando, finjo não ouvir
Me engole, me vomita
Passa, repassa, nos marca
Passa, repassa, nos mata
Implacável
Sutil
Há de chegar o tempo
E com sua chegada haveremos de partir



terça-feira, janeiro 06, 2009

Sabe...

Ei! Você sabe, não sabe?
Ah você sabe... Mas não me diz nada
Sabe dos males que sofro
Dos segredos que guardo
Das palavras que calo
Das coisas que falo
Dos dedos que estalo
Das pernas que agito
Dos olhos que fitam
Dos sorrisos que dou
Dos abraços que troco
Do tango que toco
Das críticas leves
Das piadas alegres
De como me sinto
Sabe o quão distante estou
Sabe de quando estou aqui
De quando falo, me expresso, me exalto
E sabe que até pareço gente
Sabe que sou gente. Sou não sou?
E você sabe como é o meu jeito
Sabe que ele não agrada muito
Sabe que não é doce é desconfortável
Este jeito não está certo, não pode estar certo
Isso não é jeito, é mais um desajeito
Um jeito sem jeito
Sabe que não estou certa
Mas se não estou certa...
Então onde estou?
No preto ou no branco
Em cinza ou vermelho
Você sabe de tudo
Sabe...
Seja lá quem você for, seja lá onde estiver
Você é um maldito que sempre sabe mais e mais e mais sobre cada vez menos e menos e menos...
Tem cheiro de fogo
Frescor de sorvete
Tudo tão bonito
Elogios soam estranhos
Desconsertam
Mas a realidade é mui crua
Um vexame, um glamour
Você não sabe de nada
Nem sequer me conhece.


domingo, dezembro 28, 2008

Infinito


O melhor da vida são viagens mal sucedidas
Noites mal dormidas
Momentos sós e particulares
Dias angustiados, calados, aluados
Deles reflete o sol, o ápice da luz
Deles dias e noites são sentidos aguçados
Levo-os para longe, mas logo os trago de volta,
Deles preciso beber
Sorver o veneno, absorver a cura
Até que cessem os sete fogos
Assim, ao por do sol em brinde aos aspirantes
Exasperado anoitecer me leva numa valsa lenta
Rodopiando-me desesperadamente ao redor de sua órbita
Estrelas terríveis no céu se movem junto à dança
E fazem-se assombrosas constelações, chorando âmbar celeste
Ah se meus pés pudessem aferrar-se ao solo e se aquietar por um instante
Seriam eles escravos desta terra já de longe corrompida
A mente derrama do corpo, por certo assoberbados
Juntam-se a revelar a tormenta desta alma
Um manifesto
Um motim
Fatigados pela vigília
Cruzando sombras indubitáveis
Fazem-se luz! Mais pura luz!
Muito além da tristeza, da felicidade ou saciedade
Duradouro extenso sol
Reinado em manto negro
Infinitos pontos lúcidos, lúdicos, luminosos
Perene lúmen
Império transcendente
Sim sou eu
Que não sei equilibrar, sou eu...
Nem luz nem trevas, nem presença nem ausência.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Frutas de cera

Hoje passei por ai e foi ali que as vi
Tão lindas tão lisas...
Brilhavam pequenas, indefesas, numa peça de cristal
Perfeitamente redondas, desenhadas para seduzir
Ofereciam-se por um preço qualquer, não importa
Objeto de desejo, entregues a vontade alheia
Frutas de cera, delicadamente pousadas sobre o móvel, imóveis à espera de qualquer um que lhes pague o preço
Enche-me os olhos vê-las assim tão disponíveis, ao meu alcance...
Poder tocá-las, cheirá-las...
Não se trata de um desejo pelo original e sim de uma vontade pela réplica
O que me fascina é sua artificialidade óbvia, de valor superior ao do original
No ápice, sua existência não importa mais do que a vontade de tê-las
Não me dou ao luxo de justificá-las, não há dúvidas de que são o que preciso
São o que preciso ter...
São o que quero ter...
Sobre um móvel, imóveis a me esperar

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Rumo


Eu estava andando rumo àquilo que me leva sempre ao mesmo lugar
Enquanto rumava, pensava no descanso que estava por vir
Mas também pensava no tempo que sempre me afasta
Eu me afastava cada vez mais indo de um lugar ao outro
Enquanto rumava, o vento cortava o tempo e o pensamento gerava espanto
Mas abaixava a cabeça e continuava rumando
No horizonte nada mais havia, além do rumo que tomavam as coisas
Alguns segundos, um momento apenas, para decidir o destino de uma vida
Contados, arrastados num relógio qualquer, foi por pouco que tudo se foi
Em uma rua qualquer de Copacabana, na chuva, na lama, em meio à sujeira, ao caos, uma vida rumava, parecia querer ficar, mas ela rumava em destino a seu destino final.
Como eu, ela se afastava de um lugar ao outro, mas no instante de alguns segundos, seu destino faria com que se afastasse demais, além do horizonte do rumo que tomavam as coisas.
Na rua, na chuva, na lama, uma vida, cronometrada, computada em 80 anos
80 anos, na rua, na chuva, na lama, os segundos, os minutos, os meses, os anos, as décadas se afastavam para longe do horizonte do caos.
Nada parecia estar decidido ainda. Mas estava. Ela terminou, aos poucos, rápida e devagar, assim como no dia em que começou.
Ela rumou para tão longe que a ninguém cabia mais alcançá-la e eu continuei a rumar sempre para o mesmo lugar.
O rumo que tomava coisas, pessoas, sentimentos.
Nenhum rumo mais, além deste ou daquele.
Numa fração de segundos uma vida de valor inestimável, valia menos que um segundo sequer.
E fora este, o rumo que tomava coisas, pessoas, sentimentos.

terça-feira, novembro 11, 2008

Indefinível


Existem batalhas que não se pode vencer nem perder, sinceramente, nem sei o que se pode fazer em relação a elas, também não sei dizer como deveríamos nos portar diante delas, nem ao menos definir como nos sentir.
Há coisas para as quais não achamos início, nem meio nem fim, só caminhos possíveis dentro do impossível, afinal, nem tudo acontece como gostaríamos que acontecesse.
Na maior parte do tempo em que caminhamos pensamos em como ele (o caminho) deveria ser, mas ele nunca é como achamos que deveria, não sei se é possível ser como gostaríamos, ou se é impossível querermos o caminho da forma como ele é sem o sonharmos inserido em projetos perfeitos.
Nem sempre encontramos o caminho do certo ou do errado. Por vezes, muitas vezes até, estamos diante de um caminho que nem sequer podemos definir.
Será quantas vezes desistimos do caminho que sabemos que jamais irá se definir, quantas vezes abandonamos o indefinível, quantas vezes o deixamos de lado, quantos vezes nos desinteressamos dele, quantas vezes o esquecemos?
Eu não saberia definir, afinal, na há definição para o indefinível, mas então o que há para ele?
Será que poderia haver alguma intenção? Alguma dedicação? Algum tempo? Quem sabe algum espaço, ou mesmo algum interesse?
E quando o indefinível está diante de nós? E sabemos que ele jamais irá se definir, mesmo buscando alguma explicação que possa nos convencer de sua importância, de seu sentido, de uma existência encaixada em um contexto racional qualquer, será que poderíamos dar-lhe alguma coisa? Uma coisa que não se precise definir, algo nosso, algo de valor.
Poderíamos oferecer um olhar? Poderíamos enfrentar uma batalha ao lado do que não se pode vencer nem perder, ao lado de algo em que possamos acreditar, sem que nada dele se possa esperar e ainda assim não desistir?
Poderíamos navegar em um imenso vazio repleto de todas as coisas para as quais não temos explicação, poderíamos suportar a presença do indefinível, compartilhar parte do caminho com personagens que não se podem definir vitoriosos, nem perdedores, personagens que apenas lutam ou se deixam levar sem ter garantia nenhuma?
Lutam diante de si mesmos, sem que se possam definir, existem sem que se possam entender, seguem adiante sem que se possa dizer um sim ou um não. E quem são afinal? Será mesmo esta a questão? Saber quem são, ou o que são? Seria mesmo importante saber? Ou melhor, poderíamos saber?
O que seria mais importante, aceitar o indefinível ou excluí-lo, fazê-lo exceção e assim isolá-lo de nós e de todo o resto?
Deixá-lo entrar, fazer parte, ou fazê-lo sair, se desligar?
Qualquer um poderia perguntar o que aqui defino como indefinível, e a resposta me parece óbvia, poderia ser qualquer coisa, qualquer um, e é.