Amado menino, ente querido,
Deite-se logo, venha dormir,
Feche seus olhos e venha comigo,
Durma bem, durma em paz,
Que a nuvem do sono o traga para mim,
Venha me siga,
Aproxime-se mais,
O portão esta aberto! Que estais a esperar?
A noite te espera,
O bosque tão calmo, o convida a entrar,
Seus passos vacilam não temas meu anjo,
Entre e desvende,
Se embrenhe nos matos,
Beba da fonte, que fresca o presenteia,
Alimente-se dos frutos, que doces se oferecem,
Deixe que as árvores o acolham,
Toque suas raízes e deixe que o envolva,
Abrace seu tronco e deixe que o enlace,
Agarre seus galhos e deixe que o levante,
Aspire o perfume de suas flores e deixe que o envolva,
Se entregue, se perca, não procure voltar.
Puro e inocente me encanta o olhar,
Acompanhe incessante o assovio que o chama,
Ouça menino,
A natureza dos prados,
Harmoniosa música,
Toca,
Pio de coruja
Coaxo de sapo
Canto da Cigarra e do grilo, em orquestra florestal.
Lua cheia, luz difusa.
Dançam prateados, cintilantes reflexos,
Melódico vento remove ramarias,
Menino se apresse,
O chamam a frente,
Vacilantes os passos deslizavam sobre a lama.
- Que queres? – Pergunta o pobre menino.
Tremulam-se as vestes do impaciente garoto.
- Corra, se esconda! – Dizia o soldado.
Ávido se esgueira por entre os arbustos.
O infante correu, mas logo cessou.
A sua frente revelara-se um rio. Cercado, não havia saída.
Sentou-se o garoto a margem do rio, o soldado a espreita hesitou.
- Ó que fazes aqui, tão belo garoto? – inquiriu o soldado.
- Estou a procura da dama do sono. – responde o menino.
- Ó não! Deixe disso! Volte para casa, a dama do sono a muito se foi.
- Não posso, pois no sonho viajei e não sei como voltar.
- Deves se esconder o quanto antes. Tu corres perigo!
- Que perigo?
- Tolo garoto, não sabe onde esta?
- No reino do sono, por deus, estas a me assustar. Afinal quem és tu?
- Sou alma errante, em eterna condenação!
- Como vieste para cá?
- Era eu um soldado em combate na guerra, muitos matei, decepei, lacerei. Meu corpo doía, minha alma rasgava, me rendi ao cansaço e deitei-me na relva, fechei os meus olhos e nunca mais os abri, afoguei-me na culpa e cá estou a pagar sentença.
- Pobre soldado, como sofre seu coração! Diga-me a saída, preciso voltar!
- Garoto tu deves tentar acordar, preciso-me ir, meu tempo se vai!
- Aonde vais?
- Afogar-me de novo em minha sentença, nas águas do rio devo me afundar.
- Não vá! Tenho medo, fiques comigo.
- Se eu fico o rio transborda e engole a nós dois, menino de tão bela alma não merece tal fim.
Foi o soldado, ficou o garoto.
- Ó meu anjo não ouça atormentada alma, os condenados nada sabem, estão presos a revoltas, vergonhas e tumultos. Vejo que encontrastes algo muito precioso, e ao mesmo tempo perigoso, este rio a sua frente é a chave do meu reino.
O garoto em confusão se deitou a sua margem, olhando para o sentido em que corriam as águas tintas de vermelho.
Estendeu a mão para dele beber , tal não fosse o susto que tomou o menino ao perceber que o rio era de sangue.
Rio que se esconde no jardim das profecias, quando a lua está cheia, as almas, se lhe escapam.
Águas sangrentas e pulsantes transbordam em lamúrias, arrastando de volta almas em penúria.
- Rio, virulento e turbulento! Dominou-me suas águas! Maculou-me com teu sangue.
Serpente líquida lambe-me o corpo, cujo veneno sucumbe em minhas veias.
Ó menino, meu anjo sagrado, não deves provar de sua peçonha, nem ao menos cair em tal perversão. Acorde garoto é hora de brincar, a dama se foi, sua inocência deixou, o sonho acabou.