domingo, maio 24, 2009

Dalila

Porque peço, acalmar essa ânsia, de humor semiárido. Estes pés inquietos réquiens de Dalila.
Pobre coitada, andar sob o sol lhe parece uma lástima, tua pele suada a lagrimejar pelas curvas, ardendo-lhe os traços.
Estrada vazia, marginais margaridas impedidas no asfalto, fantasmas do vento.
Numa falha contida, vaidade ou orgulho, se apressa adiante, de que adianta correr?
Sentimento de perda, prisioneiro do tempo, retesado no bojo, no seio de “Lila”.
Seu olhar judiado, indaga o espaço em profundos naufrágios. Tudo são lugares cravados, raízes do vácuo, memórias fulgentes.
Cegueira brilhante, os olhos se ajuntam e o clima tórrido cria ondulações no ar, silfos dançantes.
Dalila se apressa a equilibrar-se na solidez do asfalto, retilínea ilusão.
Teu andar a galope, rapidez malcriada, confessa essa pressa.
Dalila, depressa, se expressa compressa.
Prolonga um suspiro, um tiro, um espirro.
Um sopro agitado mesclado no vento, teu hálito quente sedento de um fim.
Chega Dalila, chega... Seu destino é o fim. Mas chegar não é findo.
Enfim um jardim, um abalo da alma. A intensidade da voz.
Ah Dalila o seu fim, para mim é um limite.
Dalila, objeto, causa ou motivo, escopo do povo.
Dalila, um intuito, um agouro do tempo.
Dalila despida do tempo, não mais ela mesma.
Se acalme Dalila, o seu fim está longe do fim.

terça-feira, maio 05, 2009

Dois reluzentes cristais

Não...
Não foram seus olhos quem viram o que afirmou ter visto o coração
Não...
Não é sempre que se deve confiar no que dizem os olhos
Mas se seus olhos mesmo já fechados insistirem em lhe dizer o que veem
Se implorarem para que uma vez mais se abram as janelas
Fazendo iluminar dois brilhantes cristais
Se só assim puderem afirmar
Então...
Guarde seus dois preciosos cristais em seu interior
Lá onde um universo pulsante se alinha às batidas do coração
E então siga para além de onde podem te levar as janelas abertas
Vá... Voe para além de onde pode a vista enxergar
Deixe ser, não há medidas que possam, então, conter em esferas dois reluzentes cristais
Sem pensar no que dizer
Palavras jamais dirão
Palavras jamais verão
Palavras jamais saberão
Mas deixe que falem pelo que não há palavras
Deixe-as correr
Deslizar por uma superfície contida
Sem que possam aprisionar
Como as janelas que emolduram a infinitude do horizonte
Num pequeno espaço envolvido em recortes
Se são elas quem irão dizer a quem deixá-las falar
Tomar todo aquele que delas beber
Invadir quem delas se alimentar
Serão elas quem trarão todos aqueles que nelas se aventurarem
E nos aproximará como num abraço aqui para dentro de mim
Tendo então, cumprido seu papel
Unindo-nos num só
Palavras não serão mais necessárias
Pois tudo o que disserem já saberemos
Em nosso íntimo revelado

quinta-feira, abril 30, 2009

Cruzamento não paralelo

Confesso, queria tê-la como inimiga
Seguir-te os passos até o inferno
Caçar-te na multidão
Ávida de teu sangue
Prestes a derrubar-te
Queimar em ódio ácido
Na eminência de destruir-te
Fazer de um estúpido desejo
O sentido de nossa existência
Superar-te diante de teus olhos
Dominar-te os pensamentos
Causar-te insônias incuráveis
Úlceras gástricas
Secar-te a boca
Gelar-te da cabeça aos pés
Imputar-te os mais sujos desejos
Envolver-te o pescoço
Privando-te lentamente do ar
Tirarem-te das órbitas os olhos
Rasgar-te a pele em pedaços
Engolir-te completamente
Insuflar-te tremores e choques
Remover-lhe a consciência
Lançar-te longe contra o espelho
Ouvir-te cair despedaçando tua imagem
Fazer-te gritar, urrar, sussurrar
Privar-te dos sentidos
Prensar-te contra a parede
Rir ante teu rosto perplexo
Levar-te a falar, detonar
Sorver-lhe o fôlego
Puni-la e perdoá-la
Venha! Levante-se!
Golpeie-me para longe!
Lute! Lute comigo
Quero lutar com você
Apenas com você
Ver-te atacar
Revidar minhas investidas
Sentir-lhe a fúria
Porque adoro nossa luta
Porque, então, fico no céu
Na mais imunda lama
Existiríamos, nos extinguiríamos
Apenas nós duas
Em meio a nossos insultos
Pobres diabas
Consumindo-nos no calor do embate
Você é minha
Tão minha que preciso lutar
Sugar-te as forças
Para que fique
Eternamente
Comigo
Não há dúvidas de que te odeio
De que te amo
De que preciso
Estar em combate contra você
E sentir o calor de tuas ofensas
A frieza de teu desprezo
Você e eu uma só
Eu e você nada a ver
Você sou eu
E eu você
Do avesso
Reverso do verso
Você fora
Eu dentro
De um maldito reflexo
Meus olhos anseiam trazer-te para perto
Até que possam engoli-te inteira para dentro de si mesma
Desejando tê-la em meus braços
E neles vê-la padecer
Confesso, queria poder acreditar em você
E assim lutar sempre com você
Com você e não contra você
Mas estamos em um cruzamento não paralelo entre ambas

sexta-feira, abril 24, 2009

Sublime Nebulosa III

Seus passos quebram o silêncio de sua presença
Reflete a luz de toda e qualquer estrela
Elevada à última potencia
Propaga a natureza das coisas
Derrama a verdadeira essência do ser
Alimenta todas as terras, todos os céus, todos os mares, todos os fogos
Ergue-se pleno de tudo o que é
Indefinível
Éter, sangue, seiva
Alma, cosmo,
Sol, estrelas
Galáxia, corpo celeste
Partícula, gota d’água
Molécula, átomo
Fagulha, célula, núcleo
Elevado à liberdade desconhecida
Além do olhar angular
Da saliva sedenta
Do desejo cruento
Das vontades linfáticas
Do orgulho corrompido
Da dor e prazer
Do medo perverso
Do tempo e do espaço
Da verdade e da mentira
Do bem e do mal
Da vida e da morte
Do céu e do inferno
De deus e do diabo
Ser sublimado em absoluta unidade
Desmembrado em infinita multiplicidade
Seus pés que outrora caminhavam
Mansos, tranquilos
Agora correm, deslizam
Não há limites
Não há barreiras
Irradiam transcendente grandeza
Voam além deles mesmos
E vão para todo lugar
Estão onde o pensamento estiver
Eterno e transitório
Absoluto de todas as coisas
Ser de suprema sabedoria
Ouça o que ele diz
Pois o que ele diz as palavras não traduzirão
Deixemos que seja
Pois tudo está repleto
De sublime nebulosa



quinta-feira, abril 23, 2009

Dédalo purgatório II

Invólucros vazios
Desprovidos das mais ávidas paixões
Dos ímpetos de empenho
Do interesse natural
Pela sedução das maravilhas
Existe sede
Existe fome
Em mergulhar profundamente
Procurando desviar
Ponderando se entregar
Em sofrimento prolongado
Que se estende pelo corpo
Colérico e cansado
Uma vontade corrompida
Deveras falseada
Forjada em satisfação
Pagamento haja vista
Mentiras creditadas
Falhas parciais
Modelos imprecisos
Consubstancia
Fatos e impressões
Nada além
Do que está além
Do dizível e visível
Apenas crível e viável
Em eterna insatisfação
Terra ávida e incessante
Donde as buscas não têm vim
Numa esteira sempre constante
Uns se erguendo
Outros caindo
Em rios caudalosos
Muitos corpos se entregam
Às correntes traiçoeiras
Haverão todos de pagar
Pelo desejo, pelo ensejo
Controlando seus humores
Refazendo seus caminhos
Desfazendo seus enganos
Expiando suas culpas
Neste Dédalo Purgatório
Aos poucos se achegando
Sem que haja dúvidas
Tudo a seu tempo
Um tempo que seja seu
Desconhecido do relógio
No qual pobres diabos se apegam
Venha...
Se achegue
Num tempo somente seu
Se entregue
Mas que seja primeiro a si mesmo
Amante a unir-se num só
Hás de compreender
Que estás além da fome que te atormenta
Da sede que te mortifica
Hás de compreender
Que não há tempo algum
Em que se possa contar nem conter
O que somos
E então hás de chegar antes que te possas notar

quarta-feira, abril 22, 2009

Magma infernal I

Neste magma infernal
Poderíamos cozinhar
De uma só vez derreter
Agonizando em meio a lavas
Mentiras e ilusões borbulhantes
Mas vamos perecer em fogo brando
Morrer em banho Maria
Espinheiras dançam no vendaval
Roçam-nos os corpos
Tiram-nos o sangue
Que percorre em linhas tortas até o chão
Terras tórridas
Amaldiçoadas
De rosáceas venenosas
E vapores sulfurosos
Carnicões fazem caminho
Via reino virulento
De serpentes peçonhentas
E insetos agressivos
Túrgidos pulmões
Aspiram asfixiados
Vamos todos arrastando
Como vermes na carniça
Sucumbindo neste inferno
De nada adianta se esquivar
Vêm chegando
Vêm chegando
Os demônios do relógio
Apressados como nunca
Mais perversos que suas vítimas


terça-feira, abril 14, 2009

Na chuva

Nesta noite maravilhosa e miserável
Em que andam a escorrer pelas calças água da rua
Sapatos sovados de lama
Pisam e murmuram coaxos de sapo
Em penúria embriagados de chuva
Ó meu deus, porque tanta carreira?
Já não sabe tragar céu aberto?
Para que tanta espera
Pendurado à marquise estreita?
Vai a solavancos se esgueirando entre as esquinas
Pobre diabo! Só chão para te aquecer
Terra chã para se esquecer
Só vai ele, depauperado
A levar chuva no lombo
Escoando a miséria humana
Ó e no passado
Num tempo em que não havia a estreiteza do olhar
O selvagem na chuva valsava
Civilizou-se no medo e bom senso
Precipitando-se acima das poças
Resvalando em sofrimento
Atalhando a morte
Um tempo que não vira nada
Um tempo que só influi
Deságua abaixo do céu