quinta-feira, abril 23, 2009

Dédalo purgatório II

Invólucros vazios
Desprovidos das mais ávidas paixões
Dos ímpetos de empenho
Do interesse natural
Pela sedução das maravilhas
Existe sede
Existe fome
Em mergulhar profundamente
Procurando desviar
Ponderando se entregar
Em sofrimento prolongado
Que se estende pelo corpo
Colérico e cansado
Uma vontade corrompida
Deveras falseada
Forjada em satisfação
Pagamento haja vista
Mentiras creditadas
Falhas parciais
Modelos imprecisos
Consubstancia
Fatos e impressões
Nada além
Do que está além
Do dizível e visível
Apenas crível e viável
Em eterna insatisfação
Terra ávida e incessante
Donde as buscas não têm vim
Numa esteira sempre constante
Uns se erguendo
Outros caindo
Em rios caudalosos
Muitos corpos se entregam
Às correntes traiçoeiras
Haverão todos de pagar
Pelo desejo, pelo ensejo
Controlando seus humores
Refazendo seus caminhos
Desfazendo seus enganos
Expiando suas culpas
Neste Dédalo Purgatório
Aos poucos se achegando
Sem que haja dúvidas
Tudo a seu tempo
Um tempo que seja seu
Desconhecido do relógio
No qual pobres diabos se apegam
Venha...
Se achegue
Num tempo somente seu
Se entregue
Mas que seja primeiro a si mesmo
Amante a unir-se num só
Hás de compreender
Que estás além da fome que te atormenta
Da sede que te mortifica
Hás de compreender
Que não há tempo algum
Em que se possa contar nem conter
O que somos
E então hás de chegar antes que te possas notar

quarta-feira, abril 22, 2009

Magma infernal I

Neste magma infernal
Poderíamos cozinhar
De uma só vez derreter
Agonizando em meio a lavas
Mentiras e ilusões borbulhantes
Mas vamos perecer em fogo brando
Morrer em banho Maria
Espinheiras dançam no vendaval
Roçam-nos os corpos
Tiram-nos o sangue
Que percorre em linhas tortas até o chão
Terras tórridas
Amaldiçoadas
De rosáceas venenosas
E vapores sulfurosos
Carnicões fazem caminho
Via reino virulento
De serpentes peçonhentas
E insetos agressivos
Túrgidos pulmões
Aspiram asfixiados
Vamos todos arrastando
Como vermes na carniça
Sucumbindo neste inferno
De nada adianta se esquivar
Vêm chegando
Vêm chegando
Os demônios do relógio
Apressados como nunca
Mais perversos que suas vítimas


terça-feira, abril 14, 2009

Na chuva

Nesta noite maravilhosa e miserável
Em que andam a escorrer pelas calças água da rua
Sapatos sovados de lama
Pisam e murmuram coaxos de sapo
Em penúria embriagados de chuva
Ó meu deus, porque tanta carreira?
Já não sabe tragar céu aberto?
Para que tanta espera
Pendurado à marquise estreita?
Vai a solavancos se esgueirando entre as esquinas
Pobre diabo! Só chão para te aquecer
Terra chã para se esquecer
Só vai ele, depauperado
A levar chuva no lombo
Escoando a miséria humana
Ó e no passado
Num tempo em que não havia a estreiteza do olhar
O selvagem na chuva valsava
Civilizou-se no medo e bom senso
Precipitando-se acima das poças
Resvalando em sofrimento
Atalhando a morte
Um tempo que não vira nada
Um tempo que só influi
Deságua abaixo do céu

quinta-feira, abril 09, 2009

Nevasca

O arrasto das rodas me aterroriza
Flocos de neve debatem-se
Uivam lá fora
Ah, por Deus, não posso parar
A paisagem irá me engolir
De um branco angustiante
Maldita ilusão em cartões postais
Lembro-me dos enfeites de natal
De como são reconfortantes
Do calor que transmitem
Em datas especiais
Salpicados em branco plástico
Mantenho a perspectiva
Desde o começo procurei um suporte
Ancorando-me em memórias
Mas este porto é tão remoto
Como pesa o ar aqui dentro
Um carro dança no gelo
As correntes tilintam
A cada avanço na estrada
Um recuo do sol
Crepúsculo perverso
Vem a galope
Arauto funesto
Gelando-me o sangue
Exaurindo-me as força
Um suspiro escorrega
Da garganta profunda

quinta-feira, abril 02, 2009

Mundo

Mundo
Toque
Toque para mim sua canção
Mostre
Mostre para mim a sua luz
Diga-me
Diga-me tudo o que você tem a dizer
Não se esconda de mim
Dance
Dance sua música para mim
Leve-me
Leve-me embora para todo lugar
Abrace-me
Abrace-me forte
Fale comigo em sua língua
Em todas as línguas que você aprendeu
Em todas as línguas que você ensinou
Em todas as línguas que você experimentou
Mostre-se para mim
Mostre-me seu verdadeiro potencial
Mundo, você é meu mestre
Você é meu pai
Minha mãe
Meu irmão
Meu amante
Mundo mostre-me tudo o que você é
Não se esconda
Seja tudo o que você realmente é
Então, depois escolha o que é melhor
Ser o que você é
Ou ser outra coisa
O que é melhor?
Viver morrendo
Ou simplesmente viver
Mundo
Diga-me
O que você pensa?
O que há de errado com você?
O que há de errado conosco?
Com você e comigo
Com você e todos nós
O que há de errado?
Como você se sente a respeito de tudo?
Mundo mostre-nos o mundo como ele realmente é

quinta-feira, março 26, 2009

Tentando buscar

Estou tentando continuar
Continuar buscando
Mas quando acordo
Quando me levanto
Quando me deparo comigo
Procuro encontrar qual busca seria a minha
Uma busca, um intuito, um caminho certeiro
Uma busca que não está aqui dentro de mim
Ela há de estar lá fora, precisa estar
Pois aqui dentro não pode estar
Aqui dentro a busca não se encaixa
Não se encaixa às buscas disponíveis do mundo lá fora
Lá fora não tem espaço para o que existe aqui dentro
Ou será que aqui dentro não há espaço para o que ofertam lá fora?
Para que eu possa me ajustar às opções oferecidas lá fora
Às propagandas que fazem, de que a vida acontece lá fora
Minha vida está acontecendo aqui dentro
Lá fora minimizo esta vida, sufoco esta vida
Para que a vida que lá fora me ofertam se encaixe aqui dentro
Lá fora posso trocar de vida, se não gostar desta ou daquela
Experimentar tantas vidas quanto quiser
Até encontrar aquela que me faça aceitar as coisas como elas são
As coisas como são é a vida que nos vendem
Os chicletes têm o que gosto que tem e se não lhe agrada
Busque os da concorrência
As ofertas nos parecem infinitas
Mas são um limite
Barreiras
Por trás das barreiras estamos todos à espera
Em busca do que nos oferecem
Mas e quanto às coisas que não podem nos oferecer?
Quanto àquelas que não têm como nos oferecer?
Estas vamos deixando de lado, vamos esquecendo
Deixando-as morrer pelo caminho que nos foi ofertado
Pela ordem que rege lá fora
É preciso se adaptar
Se moldar
Mas não é isso o que somos
Um pedaço de barro que se possa moldar
O que somos talvez não represente um modelo
O que somos são todas as coisas
Porque o que somos está vivo e em movimento
É fluido e não estático
O que somos simplesmente é
Independente das inúmeras identidades que possamos adotar
Trocar, buscar, representar
Não há respeito pelo que somos
Pois o que somos está além do respeito
As buscas que precisamos buscar
Já foram encontradas
Do contrário não estariam expostas em uma vitrine
Existem aqueles que não querem as buscas
Mas alimento
Alimento para que seus corpos possam sobreviver
Aqueles que não se ajustam às buscas
Que estão à margem dos sonhos
Das incríveis realizações
À beira da morte
Existem aqueles que são...
E aqueles que se vão...

sábado, março 21, 2009

Fel da vida

Lamentável é não enxergar para além dessas paredes
Acredite. O horizonte fica preso aqui na garganta
E a fome deixa de existir
Assim como o contentamento se estende em frustração
Pagando o espaço físico ocupado
Preso a uma terra de promessas
Num labirinto insensato
Numa redoma caótica
Em meio a toda essa retórica furiosa
Endurecida em palavras lapidadas
Derramando verbo absoluto
Ardendo como sal no lume
Revertendo antinomias
Tombando abaixo do consenso
Patenteando uma pobreza chapada
Gravada e enfeitada
Em propagandas prostitutas
Hipocrisia das mentalidades
Cristalizando o fel da vida