segunda-feira, março 02, 2009

De pé

Você está desmoronando
Aguente firme
Parece não haver jeito
Aguente firme
Respire fundo
Não chore agora
De que adianta lamentar?
Peça, feche os olhos, faça um desejo
Não diga nada
Respire fundo
Não chore, prometa
Estenda a conversa para compensar o silêncio que se estenderá noite adentro
De pé
De pé
Engane a espera
Mas a espera se estende noite adentro
De pé
A espera não se deixa enganar
Se estende vida afora
Respire fundo
Não chore
Fique de pé
Prometa que nada irá prometer
Lembre-se de si
Que irá se estender para além do espaço e do tempo
Um sussurro e o vento arreganha as janelas, estilhaça os vidros
E isso é só o desenrolar da história de todos que um dia ficaram de pé.

sábado, fevereiro 28, 2009

Arranhando paredes


Arranha paredes
Debate-se no chão
Esqueceu a lição?
Sabe dizer se é noite ou se é dia?
Aonde você vai?
Não me faça ir até ai
Não se preocupe, não se culpe, estamos aqui e ali
Sabe onde está?
Quem sabe possa dizer para onde você vai
Lá fora o sol está queimando, penetrando a crosta danificada deste planeta
E tudo o que você consegue fazer é se debater e arranhar as paredes deste aposento em decadência
Se pudesse sair, veria o sol
Pura luz a inundar tudo ao redor
E então quem sabe pudesse ver algo além de si mesmo
Erguendo-se para além das paredes

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Remador

Certo dia me lembro ter visto um barco sozinho no rio de manhã bem cedo, o sol mal tinha nascido
Era um sujeito solitário, mais velho com chapéu na cabeça, desleixado
Havia remado ainda a pouco, ao redor do barco a água ondulava
Com um tipão cabisbaixo enrolou um fumo, acendeu o cigarro, tragou uma vez e seus olhos fitaram o horizonte, se perderam no nada, vazios
A fumaça do fumo se esvaiu
Se curvou para uma tosse rouca, aquele não era um pescador
Era um tipo calado que remava sem curiosidade, parecia conhecer todas as coisas, mas num instante pareceu ter se esquecido
Parecia não se importar com as coisas à sua volta, mas sei que não é bem assim, sei que não é
Aquele não era conhecido meu, do contrário eu poderia pensar que fosse meu pai chegando ou partindo
O homem do barco foi remando e passando devagar, não parecia ir a lugar algum, mas ele foi tão longe que ainda hoje me lembro
Não que isso interesse, mas hoje me parece um dia daqueles em que alguém rema perdido

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Senhoras Vaidosas

De dia se pintam tal qual boneca de louça
Os olhos são dois borrões negros
Sobre estes uma névoa azul se espalha
O rosto envolto a uma nuvem de pó
A boca de um vermelho escarlate
Colares de contas diversas serpenteiam lhe o colo
Ornadas de pulseiras e brincos pendurados puxando-lhe os lóbulos
Vaidosas se esgueiram pelas ruas, ônibus, lojas, cafeterias
Bailam, oscilam no tempo
Detêm-no
Estancam-no
Impedem-no
Quem sabe, brincam com o tempo
Ele vem chegando, e digo não
Vem sussurrando, finjo não ouvir
Me engole, me vomita
Passa, repassa, nos marca
Passa, repassa, nos mata
Implacável
Sutil
Há de chegar o tempo
E com sua chegada haveremos de partir



terça-feira, janeiro 06, 2009

Sabe...

Ei! Você sabe, não sabe?
Ah você sabe... Mas não me diz nada
Sabe dos males que sofro
Dos segredos que guardo
Das palavras que calo
Das coisas que falo
Dos dedos que estalo
Das pernas que agito
Dos olhos que fitam
Dos sorrisos que dou
Dos abraços que troco
Do tango que toco
Das críticas leves
Das piadas alegres
De como me sinto
Sabe o quão distante estou
Sabe de quando estou aqui
De quando falo, me expresso, me exalto
E sabe que até pareço gente
Sabe que sou gente. Sou não sou?
E você sabe como é o meu jeito
Sabe que ele não agrada muito
Sabe que não é doce é desconfortável
Este jeito não está certo, não pode estar certo
Isso não é jeito, é mais um desajeito
Um jeito sem jeito
Sabe que não estou certa
Mas se não estou certa...
Então onde estou?
No preto ou no branco
Em cinza ou vermelho
Você sabe de tudo
Sabe...
Seja lá quem você for, seja lá onde estiver
Você é um maldito que sempre sabe mais e mais e mais sobre cada vez menos e menos e menos...
Tem cheiro de fogo
Frescor de sorvete
Tudo tão bonito
Elogios soam estranhos
Desconsertam
Mas a realidade é mui crua
Um vexame, um glamour
Você não sabe de nada
Nem sequer me conhece.


domingo, dezembro 28, 2008

Infinito


O melhor da vida são viagens mal sucedidas
Noites mal dormidas
Momentos sós e particulares
Dias angustiados, calados, aluados
Deles reflete o sol, o ápice da luz
Deles dias e noites são sentidos aguçados
Levo-os para longe, mas logo os trago de volta,
Deles preciso beber
Sorver o veneno, absorver a cura
Até que cessem os sete fogos
Assim, ao por do sol em brinde aos aspirantes
Exasperado anoitecer me leva numa valsa lenta
Rodopiando-me desesperadamente ao redor de sua órbita
Estrelas terríveis no céu se movem junto à dança
E fazem-se assombrosas constelações, chorando âmbar celeste
Ah se meus pés pudessem aferrar-se ao solo e se aquietar por um instante
Seriam eles escravos desta terra já de longe corrompida
A mente derrama do corpo, por certo assoberbados
Juntam-se a revelar a tormenta desta alma
Um manifesto
Um motim
Fatigados pela vigília
Cruzando sombras indubitáveis
Fazem-se luz! Mais pura luz!
Muito além da tristeza, da felicidade ou saciedade
Duradouro extenso sol
Reinado em manto negro
Infinitos pontos lúcidos, lúdicos, luminosos
Perene lúmen
Império transcendente
Sim sou eu
Que não sei equilibrar, sou eu...
Nem luz nem trevas, nem presença nem ausência.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Frutas de cera

Hoje passei por ai e foi ali que as vi
Tão lindas tão lisas...
Brilhavam pequenas, indefesas, numa peça de cristal
Perfeitamente redondas, desenhadas para seduzir
Ofereciam-se por um preço qualquer, não importa
Objeto de desejo, entregues a vontade alheia
Frutas de cera, delicadamente pousadas sobre o móvel, imóveis à espera de qualquer um que lhes pague o preço
Enche-me os olhos vê-las assim tão disponíveis, ao meu alcance...
Poder tocá-las, cheirá-las...
Não se trata de um desejo pelo original e sim de uma vontade pela réplica
O que me fascina é sua artificialidade óbvia, de valor superior ao do original
No ápice, sua existência não importa mais do que a vontade de tê-las
Não me dou ao luxo de justificá-las, não há dúvidas de que são o que preciso
São o que preciso ter...
São o que quero ter...
Sobre um móvel, imóveis a me esperar