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Mostrando postagens de junho, 2008

Maria em fuga

Em casa todos dormem… Sua mente insone se angustia cada vez mais sob a opressão do silêncio. Levanta-se da cama, procurando o controle da TV. Madrugada, droga de filme B! Desiste da TV. Alarmes acionados, empecilho para os zumbis da noite. Do outro quarto sonoros roncos ecoam. Pé por pé desativa o alarme. Os roncos continuam. O caminho está livre. Veste uma roupa qualquer. É dado início a fuga. Desce vagarosamente as escadas. Os roncos permanecem regulares. Onde estão as chaves do carro? Porque nunca deixam no gancho? Vai até a cozinha e lá estão sobre a mesa. Abre a porta evitando ruídos. Os roncos, ainda os ouve. Sinal livre. Agora a parte mais difícil, levar o carro. A arma do crime. Sem provocar um escarcéu. Gira a chave na ignição. Olhos fechados. Implora para que a mecânica do som falhe desta vez. Maldito seja, funcionou e muito bem. Motor ligado, não há como voltar atrás. Assim que se afasta de casa sente-se cada vez melhor. Liga o som e perde o rumo. Duas

Dado

Dado na mão, mesa vazia apenas migalhas de pão [rastros ordinários] Dúvidas [tédio], chove Mão cerrada, fria, comprime o dado [sopro quente] Quais as chances? [suspira] Rola o dado sobre a mesa, desliza na superfície lisa, cai [Pic! Pic! Pic! Pic! Piiiic] Quica no chão, para. Quais as chances? Seis! [sorri] O tempo se vai a jogar dados [Silêncio] Chove e o dado é deixado onde está [boceja. Sintomas do início do dia] E as chances? Já disse! São seis que se multiplicam por dez e por mais dez e mais dez e mais dez... [Arrepia. Imagina 6x10x10x10x10 infinitamente] A chaleira apita no fogo, é hora de tomar o café e se tornar novamente ordinário.

Senhor...

Senhor? Haveria o senhor de se despedir quando julgasse não mais suportar a realidade em que nos limitamos a viver. Há tempos não o encontro, nem mesmo na solidão a que se propôs. O senhor existe... Não é mesmo? Ambos sabemos... Não é mais segredo. Vossa mente perambula num extenso vazio, na esperança de se compreender. Os pensamentos que lhe percorrem a cabeça, tão leve e pesarosa, são como fogo líquido. Uma pena... Não toquei solo aberto por tremores febris de vossa imaginação. O senhor pensa ser dentre todos os seres, aquele a quem se esqueceu e não mais pôde achar-se em vida. Pode me ouvir? Devo então perguntar: E se em ti pousassem as esperanças de quem quer que seja? Vossas idéias percorrem o tempo – espaço e se aquecem se chocam se expandem... Qual fora mesmo vossa lição? Força propulsora fora plantada em terreno inóspito. A chama se fez por combustão de ínfima pequenez, firme e dispersa intensa e moribunda, fenômeno inconstante num giro imprevisível. Amigo, m

Queria estar com vocês

Queria ir, mas tive de ficar… Só queria passear. Queria ficar, mas tive de ir... Só queria me deitar. Queria lá estar em um jardim a nos sentar. Queria ali ficar a observar o pôr-do-sol ao lado de vocês. Queria adiante caminhar e conversar com vocês bem cedo assim que o sol nascer, em um lugar cheio de encantos simples, apenas meus e seus. Queria voltar e me aconchegar ao lado de vocês em uma noite qualquer a ver estrelas e cantar. Queria na sexta-feira junto de vocês colher frutos no quintal. Queria no domingo canoar com vocês, todos calados a sonhar. Queria com vocês acalentar o coração e sorrir não no futuro, mas num exato momento. Queria com vocês apenas o presente do presente. Queria estar... Estar apenas com vocês... Vocês sabem quem são... E sabem que era mesmo isso o que eu queria.

O livro

O livro Matéria concreta Ideia abstrata As páginas dançam e se tocam ao som do papel Mil línguas ondulam ruminam palavras engolem ideias Olhos famintos lhe invadem o texto O corpo do livro, preto no branco, palavras impressas A alma do livro, misto de cores, palavras expressas Os livros no cárcere da prateleira, conversam, sussurram, Discordam, concordam, Brigam, se amam Os livros sorriem ou choram atenção Todos eles carentes de olhos que os leiam e apoderem-se de sua intimidade.

Caminhos e Rios

Os veios dos rios cortam caminhos e caminhos cortam o fluxo dos rios. Caminhos e rios se cruzam, Se unem, Se aliam, Se abraçam, Se beijam, Caminhos e rios se nutrem. Brotam caminhos de onde nascem os rios, Caminhos se seguem, Deságuam os rios e florescem caminhos. Caminhos e rios se ornam de cores, Verde em vida, Vermelho em versos, Azul em afeto, Amarelo em arte, Delicados em profunda devoção, Dádivas dos deuses. Pudera eu trilhar caminhos... Pudera eu beber dos rios... Sem lhes tirar a vida que naturalmente me oferecem.

Monólogo da Árvore

Ah… Nós caímos... Derrubaram-nos… Não só a nós, mas tudo ao redor... Ao longo de quilômetros, milhas de distância, ouço todas as outras caírem. Deitam-nos ao chão, nos violentam e assim dão-nos utilidade. Fazem de nós o que não somos. Éramos seres vivos e nos converteram em matéria bruta. Nosso reino fora subjugado ao reino destes. No topo da cadeia alimentar, estão nossos algozes! São eles, os detentores de poder do reino animal. O homem, dito mais completo e perfeito organismo de seu reino, nos pisa como gigantes a caminhar sobre gravetos. A grandeza de teus atos limita-se a si mesmos, mas os propósitos de suas ações ultrapassam quaisquer fronteiras. No cume de sua genialidade destroem-se entre si. Ministros da guerra. Ceifadores funestos. Semeadores estéreis. Eu cá estou, não sendo eu e sim aquilo, em singelo monólogo orvalhando palavras ao léu.